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Entrevistas

Amercy Marrocos, entrevista realizada em 15 de dezembro de 2003

depoimento de Amercy Marrocos, concedido em entrevista realizada em 15 de dezembro de 2003

Vou contar um pouco da minha vida, um pouquinho do meu conhecimento, com muito prazer. É com muito prazer que eu faço isso! No dia três de outubro de 1940 eu vim ao mundo na hora do espetáculo. A gente chegava na cidade e os artistas alugavam casa, naquela época não tinha trailer. Era barraca ou casas de aluguel. Meu pai estava no circo trabalhando e minha mãe passando mal, sentindo as dores do parto, e lá vim eu ao mundo numa cidadezinha chamada Pureza, no estado do Rio de Janeiro, parece que no município de São Fidelis. Nasci lá, mas nunca mais voltei à Pureza. Aliás, as pessoas nem conhecem. O Roger foi quem achou no mapa “Pureza”. Eles falam São Fidelis, que é município. E ali então nasci no circo! Minha mãe trabalhou comigo até o oitavo mês de gestação, então antes de nascer eu já era artista!

Eu era filha única e com quatro anos de idade entrei pela primeira vez no picadeiro com meu pai. Ele fazia um número de paradas com a minha mãe “Duo Marrocos”, se vestiam tipicamente, aquela coisa toda. Era um número muito bonito de paradas. Entrei quando ainda chupava bico e não parei mais. Aprendi a fazer de tudo no circo, fiz de tudo um pouco. Fui boa paradista. Saltarina, posso falar que fui uma das melhores! Posso falar porque é a verdade. Muita gente dizia que eu era muito boa e saltava bastante. E assim fomos trabalhando em vários circos. Meu pai não ficava muito tempo num circo só, sempre estava mudando. Quando contratava com um salário melhor, a gente ia. Eu fazia paradas com meu pai, depois fui fazendo rola-rola e trapézio.

Não lembro o nome do circo onde nasci, mas sei que era do senhor Guido. Era um circo muito antigo e nem minha mãe deve se lembrar porque já está meio esclerosada.

E assim fomos indo… Naquela época existia muito circo teatro e o artista completo era aquele que fazia picadeiro e palco. Eu era atriz e ginasta. O circo teatro para mim era uma maravilha! Gosto muito do circo teatro e sinto muito que não exista mais. Tenho muita saudade! Com o tempo começaram a aparecer os circos de tiro, que eram circos americanos só de picadeiro e foi dando uma vira volta.

Então começaram só os circos de tiro. O circo teatro acabou e nós continuamos mudando. Quando eu tinha 13 anos nasceu minha irmã Tânia e com 15 nasceu minha irmã Sádia. Formamos as Irmãs Marrocos! Continuamos fazendo número de paradas e saltos. Nós três saltávamos. Depois de um certo tempo me casei. Minhas irmãs ainda eram crianças, uma tinha dez anos e a outra oito anos ou qualquer coisa assim. Acabamos nos separando porque me casei com um homem que tinha entrado para o circo. Ele não era circense, mas entrou para o circo e fazia muitos números, fazia trapézio…

Passou um tempo, meu pai comprou um circo e nos chamou para trabalhar com ele. Nós fomos. Depois compramos o circo do meu pai. Meu marido, como dono do circo, teve que ser palhaço. Foi uma vida bem sacrificada! Circo médio é dificuldade. Assim foi indo até que a gente desgostou. Vendemos o circo e fomos trabalhar como contratados. Viemos para São Paulo, para o Circo Garcia que estava na Praça Princesa Isabel. Ali trabalhava o Roger e muitos outros tradicionais daquela época. Ficamos uma temporada e fomos embora viajar. Meus filhos nasceram todos no circo. Quando meu filho mais velho fez treze anos, senti a necessidade de sair para que eles estudassem. Falei para mim mesma: “ah meus filhos vão estudar, eles não vão ser de circo”. Ai que burrada a minha!

Eu estava no circo Temperani e a dona do circo também já tinha casa e as filhas dela estudavam em Campinas. Ela resolveu parar em Campinas e nós paramos junto. Ficamos lá e coloquei meus filhos para estudar. Estudaram.  Um belo dia me aparece a notícia de que estava saindo uma escola de circo e disseram que eu podia ir lá. Eu falei: “É claro que eu vou”. Nem sabia o que era dar aula de circo porque nunca tinha feito isso. A gente conhecia o mundo circense, a nossa comunidade era o circo, éramos uma família. Cada um na sua casa, no seu trailer ou na sua barraca, mas era uma família, uns pelos outros. O circo era muito bom!

Então eu vim e o Sr. Colman, que era o diretor, já conhecia minha família. Fui contratada. O Roger também foi contratado na mesma época. Ali tinha só tradicionais mesmo. Demorou, foi uma luta para sair, até que finalmente começamos a dar aula no Pacaembu. Cederam aquele espaço para nós e a gente dava aula ali. Lá começamos a pegar gente de teatro, de todo tipo, houve um interesse muito grande. Era a primeira escola nacional de circo! Foi uma luta para conseguir porque naquela época tudo era mais difícil. Agora ainda é difícil. A gente vê que o circo não tem o valor que merecia ter, imagine vinte e tantos anos atrás! Começamos a dar aula ali até que, de repente, a Cultura nos deu uma lona, um circo, que foi para o Festival de Verão no Guarujá. A estréia do Circo Escola Piolin. Lá a gente já tinha muitos alunos de São Paulo. Já tínhamos Regina, Gil, Luis Ramalho, Verônica Tamaoki, Everton de Castro e Claudia Gimenez. Tínhamos uma porção de gente. Esse grupo de pessoas tinha o Abracadabra, uma trupe que existe até hoje. Foram para lá e aprenderam com a gente. Ninguém sabia nada, foi a primeira escola de circo! Começaram a aprender com a gente. Nós ensinávamos tudo. Eu ensinava corda indiana, naquela época não existia tecido ainda, solo, que era meu forte, parada de mão e ainda dava uma ajudazinha para os outros professores. Nós éramos uns onze professores. E ali foi começando. Para nós foi uma coisa nova. Foi muito gratificante dar aula, eu gostei muito, mas hoje eu não gosto tanto…

Mas, fomos dando aula na Piolin. Chegamos a passar um ano sem receber nada de salário, uma dificuldade tremenda! E a gente agüentou. A gente segurou a barra! Até que o Canal Dois procurou a direção da escola para gravar no circo o Bambalalão, combinaram com o Sr. Colman e começamos a gravar. Eu era diretora artística no circo, contratava o pessoal, os artistas para se apresentarem todos os sábados. Tinha que ter oito números para poder apresentar um programa. E assim foi…

Foi uma fase maravilhosa para mim! Achei aquilo tudo muito bom, gostava muito! Até que um dia, a direção não dava manutenção no circo, e num desses programas estava chovendo muito. Tinha uma bolsa enorme em cima dos músicos e essa bolsa arrebentou. Foi um tumulto no circo, teve até que parar a gravação. Depois disso, o pessoal começou a procurar saber por que estourou, qual a segurança que o público tinha. As gravações eram no Anhembi e fazia uma fila tão grande que chegava perto da Ponte da Casa Verde e tudo para assistir o circo Bambalalão. Foi muito bom, mas teve que terminar.

Naquela época, dávamos aula durante a semana e no sábado era o Bambalalão. O primeiro programa inclusive foi uma porcaria porque não tínhamos alunos. E tinha que fazer com os alunos porque não tinha verba para pagar os profissionais. O pessoal falou: “Olha, vamos ver se vocês preparam os alunos, vamos fazer com eles porque não tem grana”. E os alunos, querendo aparecer na televisão, concordaram em fazer graciosamente. Para nós foi uma porcaria aquele programa. Para o público até que foi bom porque agradou tanto que o povo voltava todo sábado! A partir do terceiro programa começou a aparecer uma verbinha pequena, mas já tinha. Eu ia correndo nos circos, no café, contratava o pessoal e levava. Nesse momento já era com profissionais, mas os alunos participavam na apresentação final ou na abertura. Os alunos sempre estavam participando para ir pegando o jeito do circo.

Nós fomos para o Festival do Guarujá porque a Secretaria da Cultura nos deu a lona. Era a Secretaria que tomava conta do circo escola. Nós fomos para lá e ficamos o verão inteiro. Todo sábado e domingo a gente descia para fazer espetáculo com os alunos. Então eu montei can-can, bailado com as “crianças”. Na verdade as “crianças” já eram adolescentes… Era muita gente, a procura era muito grande. E assim, o Festival de Verão foi um sucesso! O ‘Meu Jornal’ falou, a ‘Revista Cruzeiro’ mostrou foto. Foi muito bom.

Quando acabou o Festival de Verão, viemos para o Anhembi, onde ficamos até acabar quando estourou a bolsa d’água em cima dos músicos na hora do Bambalalão… Veio a segurança e disseram que não poderia mais funcionar, os cabos de aço estavam enferrujados. Embargaram o lugar e acabou… Ficamos só eu e o Roger para desmontar aquele circo escola e mandar tudo embora para o galpão da Secretaria.

A Piolin foi o início das escolas de circo, mas deixou de acontecer por falta de manutenção e relaxamento do diretor mesmo. Porque ele podia estar dando manutenção, mas talvez não tivesse um grande interesse.

O diretor era o Sr. Francisco Colman, que sempre foi diretor da casa do ator em São Paulo, na Rua Casa do Ator. A diretoria da Piolin era formada pelo Sr. Colman, a esposa dele e um contador, mas eles pouco apareciam. Deixavam por nossa conta. Os professores foram indo embora, sendo contratados nos circos. Tínhamos professores muito bons!  Ali também foi um canal, uma abertura para os artistas que até aquele momento sempre tinham trabalhado em circo pequeno. De repente, como ali era vizinho ao terreno dos circos e só vinham circos bons naquela época, o pessoal vinha na escola, viam os números e contratavam as pessoas para levar. Nessa onda, levaram a família Santiago, que eram bons de báscula e tudo. Com o tempo contrataram a Audrey, que foi para o circo Garcia, lá ficando não sei quantos anos. Saíram não tem muito tempo. Nós preparamos muitos profissionais! Eu tenho uma aluna de corda indiana que foi para a França e deve fazer apresentações nas boates até hoje. Não tive mais notícia dela, mas a última vez que a encontrei, ela estava passeando e fazia corda lá.

Nós formamos muita gente, foi muito bom! Depois da Piolin, passamos a fazer o Bambalalão no Circo Vostok, no Anhembi mesmo. O circo Vostok armou uma unidade para a gente fazer o Circo Bambalalão. Aí o Zé Wilson começou a angariar aquele terreno e armou o circo. Era um circo pequeno, mas foi onde ele começou a escola dele. Depois do fechamento da Piolin, não demorou muito tempo… O Zé tinha um circo na periferia de São Paulo com o sócio dele, que não era de circo, mas era aluno nosso. Eles começaram a dar aula, depois aquilo foi crescendo cada vez mais e hoje é o Circo Escola Picadeiro. Quando eles conseguiram esse projeto, foi quando apareceu a Bel. Ela escreveu um projeto para a Secretaria do Menor. Aprovaram o projeto “Enturmando” na gestão do Quércia e fomos dar aula na periferia. Cada lugar longe tinha um circo escola. Começaram a contratar professores e todo mundo queria sair do circo para dar aula. Na época, o Zé mandou me chamar e eu fui uma das primeiras. Nas escolas de circo eu sempre era uma das primeiras a ser chamada. Primeiro foi a Piolin, onde sou pioneira, depois o projeto Enturmando, onde também dei aula. Nesse projeto, fiz um espetáculo com 240 crianças. Tinha outros professores, mas quando é um trabalho em conjunto sempre tem um que trabalha mais… E sempre fui eu porque eu sempre adorei fazer isso e agarrava mesmo o trabalho com garra!

Teve uma situação que foi marcante! Foram três meses de aula para crianças que nunca tinham visto circo. No dia da inauguração desse circo escola foi a coisa mais linda que eu já vi a até hoje! A doutora Alda Marco Antônio, que era secretária do Quércia, estava muito entusiasmada com a história do projeto e [disse]: “Vamos… tem que fazer um espetáculo, temos que armar esse circo… [e nós]: “Um espetáculo não temos. Mas vamos armar, vamos levantar, fazer um auê e depois de três meses a gente dá um espetáculo.” E assim foi. O Zé estava combinado com ela. No dia de armar, fomos lá para levantar a lona. Aquele festival, era criança daqui, criança dali e a gente armando o circo. Vamos levantar. E cada um de nós pegava um mastaréu para por na lona. Eu peguei um mastaréu e lá vou indo… Comecei a achar estranho aquele mastaréu tão leve. “Meu Deus, porque será que está tão leve esse mastaréu?” No que eu olhei para trás, tinha tanta criança segurando o mastaréu atrás! Foi inacreditável todos eles ali ajudando! Tinha criança pendurada na lona! Aquilo foi um caos! Levantamos a lona e começamos a dar aula no Penteado, a primeira escola do projeto Enturmando depois da Piolin. Era um pouco diferente porque era só para crianças até 17 anos, na periferia.

A Piolin não. Na Piolin a gente pegava alunos a partir dos sete anos e não tinha limite de idade. Já no Enturmando pegamos aquelas crianças insubordinadas, que davam chute na gente… Eles me davam chute na barriga, me jogavam pedra, eram terríveis! Mas, quando chovia, a favela enchia d’água e ia eu correndo para socorrer. Cheguei a entrar com água subindo para pegar, puxar as crianças. Os outros, vendo que eu entrei, entravam também, faziam uma corrente e iam levando para dentro do circo aquele povão todo! Foi numa chuva forte que deu e o circo era o único lugar alto, que não alagava. Colocamos todos eles dentro do circo até a água baixar e começaram a chegar cobertores e as coisas para eles… Aquilo era a minha vida! Foi muito bonito e bom saber que eles me ouviam. Quando eu chamava, eles vinham correndo. E olha que eu sempre fui muito brava! Aliás, eu acho que o circo é muito bravo! Se não for assim, não se consegue nada.

É o que acontece com o Zé. Todo mundo fala mal dele, mas aquilo é o circo. O Zé é o circo! E eu era como o Zé. “Vai, sobe! Não tem medo, ou você sobe ou vou te dar uma cordada aqui de baixo”. E assim foi a história… Do projeto Enturmando saíram alguns meninos. Três estão no circo, são profissionais e três foram para fora do país se apresentar na França para o príncipe Ranier. Fizemos muita coisa por eles. Os que quiseram seguir, seguiram. Os que não quiseram, continuaram na vidinha. Mas tiramos muita gente da rua com o projeto Enturmando. Eles vinham e gostavam porque tinha alimentação. Tinha criança que chegava para fazer aula e desmaiava no braço da gente porque não tinha tomado café, não se alimentava, não tinha o que comer em casa, então eles iam para lá. Isso foi muito bonito! A gente sentia muito prazer em atender essas crianças e éramos respeitados por isso.

Na favela tinha o pessoal perigoso. No entanto, eles falavam: “dá licença aí que os professores do circo vão passar”. E assim era. Eles sabiam o carinho que a gente tinha pelos filhos deles. Foi maravilhoso, muito bom! Sempre agradeci a Deus por ter tido a oportunidade de passar por esse trabalho. Tudo que aprendi no circo depois passei para eles. Tenho muito alunos por aí… A Regina é uma delas, o Luís, o Gil, que é minha paixão! O De Melo, a Val, ela faz palhaço, apresenta o espetáculo com o Zé.

Os alunos da Piolin são: a Regina, o Gil, Luis, a Val, Veronica, o Everton de Castro… Só que o Everton não seguiu, ele só queria aprender trapézio porque ia fazer uma peça onde tinha trapézio. Com essa peça ele ganhou um troféu mambembe! Inclusive eu sempre falo: “ah, eu fiz um trapézio”. E fiz mesmo, um aparelho para ele. Foi muito bom!

Na Piolin tivemos muita gente boa! A Claudia Gimenez tinha 180 quilos e eu pegava ela [e dizia]: “vai enverga.” “Ah eu vou cair.” “Não vai não. Vai!” Então ia, eu segurava, ela envergava e voltava. Depois de um tempo, quando ela ficou doente a primeira vez, ela não apareceu mais. A Tânia Alves também passou por lá. Muita gente boa de televisão passou pelas nossas mãos.

O projeto enturmando começou depois das aulas no Picadeiro. Foi por essas aulas regulares da Picadeiro que surgiu o projeto Enturmando. Lá foi o foco, onde eles foram buscar a possibilidade de fazer isso. Na época, nós já éramos estabilizados em São Paulo, eu morava em casa. Só dava aula de circo, mas não trabalhava mais nem morava mais no circo. Embora eu ainda fizesse número, não trabalhava mais, já tinha saído do circo. Eu saí do circo para os meus filhos estudarem e não voltei mais. A partir de então, fiquei só dando aula. Faz seis anos que deixei de dar aulas porque comecei na Hopi Hari, então não dá mais tempo. Antes eu e meu filho fizemos uma sociedade, a gente tinha um buffet e fazia eventos de circo. A gente levava circo em todas as firmas, em confraternização. Foi um tempo muito bom também, fazendo o que eu sabia fazer que era o circo. Nosso show era muito bom, fizemos bastante. Mas, começou a concorrência e a coisa começou a cair. Meu filho teve que partir para outra, foi para o Beto Carreiro e eu fiquei sozinha, aí não dava mais.

Até que houve o grande evento da minha vida! O maior de todos eu diria. Eu morava no bairro do Limão e um belo dia minha casa pegou fogo. Quatro carros de bombeiro não conseguiam apagar o fogo. E queimou tudo! Não tenho, não restou nada! Fotos da minha vida, todos os meus cinqüenta anos de trabalho foram embora. Então eu fiquei sem ter para onde ir.  Para onde eu ia? Cadê meus vestidos? Isso aconteceu na quinta-feira e eu tinha uma festa sábado. Então já tinha tudo preparado, arrumado, eu fazia buffet com alimentação, fazia os shows com espetáculo circense, brinquedos infláveis, era uma firma boa, a gente trabalhava bem! Nesse dia eu ia fazer só alimentação.

Mas, o fogo acabou com tudo… Eu fiquei desolada na rua, olhando o fogo sem poder fazer nada… Fiquei só com a roupa do corpo… Minha filha Marian estava trabalhando, tinha ganhado bebê há pouco tempo, minha mãe também tinha saído e essa foi a sorte. Aconteceu durante o dia, era umas quatro horas da tarde. Eu estava conversando na mesa da cozinha com a sogra do meu filho quando aconteceu. Queimou tudo! Demorou para a ficha cair. O que eu ia fazer? Queimou tudo e então fui para a casa da minha filha, que tinha casado há pouco tempo. Eu não tinha o que fazer e nem para onde ir… O que sobrou foi a minha televisão, que encolheu… O vídeo foi embora, tudo… O que sobrou foi armário da cozinha. Na cozinha o fogo não pegou muito porque os bombeiros chegaram antes. A cozinha era entrada da casa, depois tinha a sala, um corredorzinho, o banheiro, uma sala grande e um quarto no fundo. O fogo começou no quarto do fundo. Como eu tinha muito isopor, muito tecido, muita coisa do trabalho, o fogo se espalhou rápido. Deu um curto circuito e eu não vi. Estava na cozinha quando, de repente, a menina que estava dançando com meus netos meus na sala disse que estava cheirando queimado. Eu não estava sentindo. Quando olhei para cima foi igual um filme de terror! Bolas de fumaça vinham pelo teto sem descer… O fogo gruda no teto, as bolas vão rolando sem descer pelas paredes. Para sentir que está pegando fogo ou se sente o cheiro ou se olha para cima. Eu olhei e falei assim: “Isabel, leva as crianças para fora!” Corri para o quarto, mas quando tentei entrar já não consegui mais, o fogo já tinha tomado conta! Eu gritava “socorro gente acode”, aí um rapaz que morava na frente veio correndo com sei lá o que na mão e abriu a janela. Foi um erro porque quando abriu a janela, o fogo se espalhou. Mas a cozinha só enegreceu as paredes, não chegou a queimar. De tudo que eu tinha, fiquei só com o armário da cozinha…

(…)

A virgindade era uma coisa muito importante antes. A comunidade não aceitava! Se alguma moça não era virgem, todo mundo falava e procurava esconder aquela coisa toda. Hoje em dia é normal, acho que não existe mais virgem, mas naquela época… Na cidade era mais comum. Sempre tinham as moças que ficavam na cerca atrás dos homens de circo, mesmo sabendo que eram casados. Elas eram mais libertinas, mais à vontade. Mas a moça do circo nossa! Casava virgem mesmo, ou com um colega do circo, ou com um artista do outro circo.

(…)

Na Unicamp tem um cara que dá aula de circo. Dá aula de técnica, de tudo! Essa pessoa nunca viu circo na vida. Não sabe o que é circo, já falei que o dia que eu me encontrar com ele eu vou falar isso para ele. Porque ele diz que forma circenses! Tá! E faculdade? Como é isso? Eu não entendo, como é que pode? Não é ginástica olímpica, ele ensina circo. Ginástica Olímpica tudo bem, Educação Física também. Agora circo? Como é que o cara vai ensinar numa faculdade uma coisa que ele não viveu? Aí sai umas porcarias que eu tenho visto. No Hopi Hari tem várias pessoas que fizeram Unicamp e dizem que fizeram circo. Isso eu acho errado!

Se querem ensinar circo pegassem um profissional circense! Embora não tenha faculdade, mas pusesse lá só para ensinar o circo. A faculdade do circo quem sabe é o tradicional, aquele que nasceu circense nato! O pior é que isso vai acontecer direto agora! O ator que tem no seu currículo circo é bem mais valorizado!

(…)

Eu nasci em 1940, tenho 63 anos. Mas, não tenho problema nenhum em falar minha idade. Apesar de ser bem conservada, me sinto bem velha, um pouco acabada… Mas ainda paro de mão!

(…)

 Vendo reportagens daquela época, lembrei do palhaço Dengoso. Ele ensinou os filhos, que participaram todos da Piolin. Passaram todos pelas minhas mãos. O Dengoso já morreu… Antigamente, as crianças morriam de medo de palhaço! Mas, vendo o palhaço se pintar o medo acaba! Hoje é difícil as crianças ficarem com medo, mas ainda tem. Já vi muitas vezes, em festa de aniversário, criança chorando por causa de palhaço…

(…)

Dizem que era vontade do Tito Neto também ter uma escola de circo, mas não conseguiu. Ele era uma pessoa inesquecível!

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