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Entrevistas

Olney de Abreu, entrevista realizada em 5 de agosto de 2012

depoimento de Olney de Abreu, concedido em entrevista realizada em 5 de agosto de 2012

Meu nome é Olney de Abreu. Depois da Academia Piolin de Artes Circenses, nós montamos a Cia Abracadabra de Teatro e Circo, que eu dirijo até hoje e que vem se desenvolvendo. Hoje trabalhamos com muito mais do que circo. Fazemos eventos, trabalhamos com endomarketing, campanhas de incentivos e uma série de coisas. Endomarketing é quando uma empresa quer fazer um trabalho interno com os funcionários da empresa. Geralmente são campanhas de incentivo, ou quando têm alguma comunicação para fazer para toda a empresa, ou ainda, quando lançam alguma campanha de incentivo para o aumento da produção mesmo. É sempre interno, para divulgar algum lançamento de campanha ou projeto. E nós fazemos isso utilizando como instrumento o teatro e o circo.

Nessas coisas de data eu não sou muito bom. Não sei quando começou, quando acabou. Isso, realmente eu não sei. Eu sei que a escola era bancada pela Secretaria do Estado da Cultura. Se eu não me engano, tinha uma verba de lá. Na época era o deputado Cunha Bueno. Tinha o Colman e tinha o Novaes, que era da Associação de Circo e Parques. Mas realmente foi pioneira. Foi a primeira que eu tive notícia. A Academia Piolin de Artes Circenses foi muito importante, não só para mim como para todo mundo que participou, porque a maior parte das pessoas que faziam a Academia eram pessoas que faziam teatro. Era o meu caso e o caso de 90% de quem estava lá. Com isso, o circo se encontrou com o teatro e nasceu essa nova linguagem que hoje em dia está ‘bombando’. Veja você quantos grupos estão trabalhando com a teatralização do circo! Essa teatralização do circo começou na Academia Piolin de Artes Circenses, na década de 1970. Esse primeiro movimento foi até um pedaço da década de 1980, eu não sei exatamente…

Eu fiquei sabendo das aulas justamente porque eu tinha um grupo de teatro. Uma vez eu estava em cartaz no Teatro Ruth Escobar e, no intervalo entre um espetáculo e outro do infantil, nós olhamos lá pra baixo.  Dali da Rua Treze de Maio você tinha uma visão da pracinha do Bixiga lá em baixo. Lá estava acontecendo uma manifestação com umas pessoas pulando na cama elástica e fazendo malabares. Fui até lá, cheguei, vi o pessoal. ‘Somos da Academia Piolin.’ E eu e comecei a fazer aulas. Na época, funcionava ali embaixo da escada do Pacaembu. Eu quis fazer trapézio, mas vi que a barra é muito pesada, que trapézio exigia demais. Eu era muito boêmio, então não tinha como… Quando eu comecei a Academia eu já tava com uns vinte e tantos anos, quase trinta. Hoje eu estou com sessenta. Já não tinha mais como desenvolver aquela musculatura pra isso. Então, acabei me especializando mais em outras coisas. Aprendi monociclo, me aprofundei mais no palhaço. Eu fazia aula com o Roger, que é o palhaço Picolino. Um dos palhaços mais velhos do Brasil hoje.

Bicicleta eu não cheguei a fazer. Fiz monociclo, mas mesmo assim não cheguei a fechar número. Cinco anos depois eu desenvolvi uma hérnia por causa do monociclo. Teve uma parada circense que saiu do MASP e foi até a Praça da República, e eu fui em cima de um monociclo. No dia seguinte tinha um caroço na minha barriga, tive que parar. Continuei fazendo monociclo ainda por muito tempo, mas nunca cheguei a desenvolver um número. É um aparelho muito ingrato. Muita gente, inclusive, arrumou curvatura, distensão muscular e outras lesões com essa coisa do circo. Porque o circo exige muito. Tem que começar no circo desde pequeno e desenvolver a musculatura e tudo, porque se você começar a fazer circo com 20 anos, 20 e poucos anos, você pode acabar arrumando uma distensão muscular. Todo mundo que eu conheço, que entrou comigo na época, arrumou um problema. Problemas fáceis de sanar. Ninguém morreu por causa disso, ninguém ficou aleijado, mas… O circo, ele exige muito, sabe? Agora, na teatralização do circo, você joga mais o teatro, joga a poesia e então, o circo consegue entrar mais suave. Você vai assistir essas troupes de circo e teatro e vê que ninguém faz um circo maravilhoso. O pessoal faz uma pintura do circo, joga o teatro e acaba ficando uma linguagem bacana. Mas, para fazer circo mesmo tem que ser circense, nascer debaixo da lona, começar criança, senão você não consegue. Até consegue, mas é muito complicado. O circo exige muito, ele exige muito. Principalmente acrobacia, trapézio, essas coisas.

Fiquei na Academia Piolin, mais ou menos, um ano, um ano e pouco. Fiquei bastante. Cheguei a fazer alguma coisa com o Savalla, com o Roger, eu fiz muita aula de palhaço com o falecido Gibe. Aprendi bastante coisa com ele. Eu não fiquei até o final porque eu comecei a me dedicar mais ao teatro. Saía duas horas da manhã, ia jantar, chegava três, quatro da manhã… Como é que eu ia estar oito da manhã treinando no dia seguinte? Ficou difícil. Não batiam mais os horários. Eu não cheguei a ir à Casa do Ator, não fui. E, depois, participei mais um pouquinho no Anhembi.

Todo mundo era legal. A Amercy era difícil de lidar, porque ela queria aquela disciplina de circo, de família de circo, de quartel e a gente era de teatro, éramos todos anarquistas, entende? E ela era dura, então, a gente batia muito de frente. Mas, o pessoal era muito bacana, tinha uma psicologia boa. A única mais rígida ali era a Amercy, mas era o papel dela. Ela acreditava naquela forma de fazer circo. Cada um tem uma filosofia de vida.

O mais importante da Academia Piolin foi o que aconteceu lá. Vou explicar com uma metáfora.  Por exemplo, quando juntaram bandido comum com o prisioneiro político, nasceu o ‘Comando Vermelho’, nasceu o pessoal do ‘PCC’. Então, a comparação é essa: eles juntaram os circenses com o pessoal do teatro e esse casamento deu a teatralização do circo. O Abracadabra foi pioneiro nisso. Eu e o Breno Moroni, montamos a primeira peça no Brasil, que se chamava “Onde estás?” toda com técnicas circenses. Foi no Teatro Oficina. A peça falava da guerrilha do Araguaia, era sobre a irmã do Breno que desapareceu e até hoje ninguém achou. Isso foi em 1982 e foi um resultado. Mas, o Breno não aprendeu circo na Piolin, ele foi pra Europa, passou três anos lá, e voltou jogando malabares e fazendo tudo. Ele aprendeu lá fora. Ele aperfeiçoou alguma coisa aqui. Ele treinava na escola de circo, mas quando ele chegou já estava pronto, ele não foi produto da Piolin. O Breno foi produto da pesquisa dele lá na Europa, porque isso na Europa já acontecia. Isso foi uma coisa trazida da Europa pra cá. De repente eu fazia teatro com o Breno, montamos algumas coisas na escola de teatro, então o Breno viajou e voltou jogando malabares e fazendo peripécias. Eu costumo dizer que o Breno é meu mestre. Ele tem a minha idade. Eu conheço o Breno desde 1973, antes de ele ir para Londres. O Breno fazia escola de teatro. Ele estudava junto comigo na praia do Flamengo, onde antigamente era o prédio da UNE, virou escola de teatro, depois desmontaram, acabaram com aquele prédio lá. Mas, eu sou fã do Breno! Sou fã dele porque ele é o pai da teatralização do circo no Brasil, e esta lá no Mato Grosso fazendo teatro, mas não está faturando como o pessoal daqui, os grupos, saraus, etc. que estão faturando um montão de dinheiro. Por quê?!  Porque o Breno também é que nem eu, o Breno era anarquista, rebelde. O criativo ele só se ferra. O criativo ele cria e o esperto padroniza, institucionaliza e ganha dinheiro. A realidade é essa. No Brasil, hoje em dia, quem ganha dinheiro com a teatralização do circo? São as pessoas dessas gerações que hoje estão trinta, trinta e poucos anos. Depois da gente o Cacá Rosset pegou uma parte do nosso grupo, foi o Luiz Ramalho e mais um pessoal que tinha experiência, para fazer o Ubu. Que foi o ‘segundão’, mas já era institucionalizado. O Cacá era esperto e ele arrebentou como pioneiro, mas o pioneiro nisso mesmo é o Breno Moroni, ele não é produto da escola de circo, ele foi aprender tudo na Europa e juntos montamos o “Onde Estás?”, foi a primeira peça de teatro no Brasil a usar técnicas circenses. O “Onde estás?” é justamente isso, um roteiro criado e escrito pelo Breno, com partes da bíblia, textos dele falando da guerrilha do Araguaia, uma entrevista com o Genoíno, o José Genoíno, que fizemos logo que ele chegou. Tinha um depoimento dele. E isso na época em que dava cana fazer essas coisas! Hoje em dia pode, mas antigamente a gente estava correndo o risco de ir preso.

Acho que uma influência que a Piolin teve foi a formatação desse tipo de aparelho para trabalhar com criança carente. Porque hoje em dia tem uma série de escolas assim. Depois da Piolin, veio a Alda Marco Antônio e começou a fazer esses aparelhos e hoje em dia tem uma série de escolas de circo que trabalham com criança carente e que tem o mesmo modelo da Piolin. Para a história da cena a Piolin só apresentou o circo para as pessoas de teatro, mas ninguém dentro da Piolin tinha a capacidade intelectual pra montar um teatro circo lá, eles lá ensinavam circo, era circo mesmo, você aprendia circo, ninguém falava uma poesia em cima de um trapézio.

A maioria dos professores já foi embora. Quem está ai? Amercy está aí, o Roger está aí com oitenta e poucos anos. A maior parte do pessoal já foi embora. A Zoraide. A Estercita… Não sei se a Zoraide está viva não, ela era bem coroa na época. Pra você ter uma idéia do que foi a Academia Piolin, por exemplo, está falando com você aqui um acadêmico, não sou mais do que ninguém por causa disso, e trabalha ao meu lado um parceiro [Ivair, o Palhaço Elétrico] que aprendeu tudo na rua, aprendeu tudo no picadeiro, nunca leu nada sobre a história do circo nem do teatro nem nada e também foi aluno de lá. O Palhaço Elétrico. Ele aprendeu tudo na raça, e hoje em dia estamos juntos. Eu sou meio xarope por natureza e ele é mais xarope ainda!

É compreensível que algum professor da Piolin se incomode com a situação das escolas de circo atualmente. Nesse ponto eles podem tem toda a razão. Pois o circense purista, que representa o que o circo tem de mais tradicional… A Amercy, digamos, que é daquele circão mesmo, daquele circão tradicional. Foi criada ali. Ela defende o circo. Por isso que ela batia muito de frente com um monte de gente da Piolin, como eu falei para você, eu não vou dizer que ela estava certa nem errada. É o ponto de vista dela, e dentro do ponto de vista dela, ela tem razão. E tem muita gente que mal sabe e está ensinando, e por esse lado a Amercy está certa, uma crítica assim é contundente. Acho que é contundente mesmo. Eu acho que teve uma certa banalização, todo mundo se diz malabarista. Hoje em dia tem malabarista que cobra mil dólares e tem malabarista que cobra cinqüenta reais, nisso confundiu mesmo, dividiu o mercado. Essa formação ou essa deformação de novos circenses atrapalhou muito o mercado do circo…

Existem outras escolas, a Escola Nacional de Circo, que é no Rio de Janeiro, formou grandes profissionais que até saíram do país. Mas por quê? Eu não sei se foi problema de gestão… Não sei, porque eu já não participava, já não estava mais lá dentro… O Marcos Frota veio da Escola Nacional, mas o Frota é aquela coisa… É da Globo, já não é o circão puro. A gente queria um circo misto. No meu caso, até hoje o circo está no meu trabalho, até hoje eu faço palhaço. O meu palhaço é bem tradicional de circo mesmo. Até hoje, dentro das minhas peças de teatro, eu uso malabares, acrobacia. Tem circo na minha peça de teatro. Mas eu não vou dizer pra você que a pessoa que vai fazer malabares ou acrobacia na minha peça de teatro tem a técnica de um circense de berço, nunca!

Eu acho que o circo mudou bastante. Com o desenvolvimento da tecnologia, da sonoplastia, da iluminação. E também acho que o circo foi bastante teatralizado. Vide o Cirque du Soleil. O circão tradicional mesmo, hoje em dia… Não sei nem se a pessoa consegue sobreviver. Consegue sobreviver é com um cachê aqui, um cachê ali. Você vai aos circos grandes como o Stancovich, o Circo Spacial, é um circo que já foi para coisa da tecnologia. Aquilo do circense, do picadeiro, acho que isso mudou bastante. Eu tenho um amigo, o Sandro Gelli, trabalha muito comigo quando tem alguma coisa de circo, ele já é da quinta geração de circo. Tem uns quatro anos que ele vendeu a lona, vendeu tudo. Não tem mais como fazer circo na periferia porque a violência é muito grande, assaltavam direto, de noite vinham roubar, não tinha segurança e o governo é uma panelinha danada. Agora tem uma série de associações, também teve uma politização muito grande disso tudo. Eu acho que inviabilizou um pouco o circo mambembe. Inviabilizou um pouco não, eu diria que inviabilizou bastante. Se você tiver um circo mambembe, for circular… Você mal-e-mal compra um arroz com feijão.

Por exemplo, antigamente a gente fazia muito teatro de rua e hoje em dia também já não tem tanto porque acho que o pessoal vai ficando mais exigente. Existem novas linguagens, novas técnicas, novas tecnologias. Foi se depurando muito. Eu faço alguma coisa de rua, poesia e tudo, mas não tem mais o impacto que tinha antigamente. Acho que a coisa perdeu muito do romantismo. Como tudo nesse planeta. Acho que o ser humano, atualmente, está sendo colocado muito de lado. Eu acho que tinha que mudar a política cultural no país. O governo, a Funarte e as secretarias de cultura falam em investimentos, falam em números, mas é um investimento muito dirigido. Se você não participar de uma Cooperativa ou de uma Associação, não consegue ganhar uma subvenção, um incentivo. Eu sou artista independente. Tenho o Abracadabra há 37 anos e estou dando essa entrevista dentro de um condomínio! Eu me viro assim, com a sociedade privada. Eu não consigo, nunca consegui, uma verba do governo. Eu tenho um trabalho gigantesco. Você pode entrar no Facebook e lá tem meu trabalho.

Aquela foto do palhaço na Praça da Sé, com uma inscrição do Abracadabra sobreposta, é o Dia do Palhaço. Quem criou o Dia do Palhaço fomos nós, da Cia. Abracadabra, em 1981. Agora já se institucionalizou a data e, dez de dezembro tem dia do palhaço espalhado pra todo lugar! Só que ninguém convida a gente para falar sobre a criação do dia do palhaço, ninguém faz isso! Muita gente que participou naquela época, hoje em dia pega uma verbinha do governo e não chama a gente pra chegar lá, e dizer… Naquela época nós fomos pra rua sem nada no bolso ou nas mãos! Fomos pra rua. ‘Vamos divulgar o dia do palhaço? Vamos lá!’ Tem um site: diadopalhaco.com.br

Tem toda a história lá, uma história bem grande. Se a gente for contar vai demorar pra caramba, mas está tudo lá escrito. Aquela foi uma apresentação do dia do palhaço. Tinham poetas, uma série de pessoas. Todo mundo foi inteiramente grátis, ninguém era subvencionado, ninguém estava ganhando verba. E fomos fazendo. Hoje em dia o pessoal pega 200, 300, 400 mil reais de verba pra fazer o dia do palhaço. Dá uma merrequinha pra cada palhaço, bota 40%, 50% no bolso e fica nessa. E ninguém faz nada. Como tudo nesse país. Eu não gosto nem de ficar reclamando, não tem a ver comigo. Eu olho pra frente. Graças à Deus não preciso de dinheiro do governo. Ajudaria. Eu tenho 60 anos de idade, adoraria que alguém pegasse. Tenho um espetáculo de palhaço com o Elétrico em que a gente passa, através da linguagem do circo, noções básicas sobre meio ambiente para as crianças. Eu gostaria muito de estar viajando. Sou um dos poucos artistas nesse país que tem um trabalho direcionado pra primeira infância. Quase ninguém tem!

Eu participei de uma seleção agora. Vão vários técnicos, gente que fez universidade em Campinas… Eu sou formado em teatro também, pela UniRio. Sou formado, sou diretor de teatro desde 1977, com faculdade e tudo. Mas, não tem verba, não tem patrocínio, não tem… Eu não participo de panelinha, não tenho paciência, não sou um ser político. Eu não sei ficar indo em reunião pra discutir sexo dos anjos. Eu não sei ficar fazendo essas coisas… Essa coisa podre da política, não tenho paciência pra isso. Eu sou artista! Eu participei dessa seleção, passei na primeira peneirada, digamos assim. Mas na hora mesmo de sair a subvenção, não saiu. As comissões que julgam os projetos não são tão isentas. Então, junta uma turma ali que se você não está naquele círculo, você está fora. Não tem assim uma abertura pro artista independente… E o pessoal fica falando: ‘Entra pra máfia, entra para máfia’. Não tenho tempo de entrar para máfia. Eu fiz sete filhos! Eu tô criando quatro ainda. Não dá tempo para muita coisa. Quatro casamentos e uma vida muito louca. Eu sempre fui rebelde pra caramba. Eu já cheguei em São Paulo sendo indicado pelo Prêmio Mambembe na época, com um espetáculo chamado “Redondo”. Mas depois eu fui muito rebelde. O pessoal se assusta um pouco.

Discussão

Um comentário sobre “Olney de Abreu, entrevista realizada em 5 de agosto de 2012

  1. Da—le Nogueirinha!! Bjos

    Publicado por malu morenah | 7 de julho de 2013, 13:42

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