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Geléia Geral, Matérias e Publicações, Professores

Do livro de Dirce Militello: sobre os professores II

“Estamos nos primeiros dias de aula. Os mestres se reúnem para recreação e, como no circo, a gente vai se agrupando e conversando sobre tudo que está acontecendo na escola, do objetivo de todos, da possibilidade de passar para os alunos tudo que for possível nessa escola. Ali na minha frente vão chegando os professores para se juntar ao grupo.

Vem o Leonardo Temperani, (…) de rosto avermelhado por sua descendência europeia, com um chapéu de veludo cor de vinho no alto da cabeça, um blusão do mesmo tecido e da mesma cor, e senta no colchonete. Temperani foi muito importante na profissão circense pois, na época de ouro do circo, foi o melhor aramista do Brasil, o primeiro a executar o salto mortal no arame. Com esse número Leonardo se apresentou para a rainha Maria da Inglaterra e foi aplaudido e admirado por reis e princesas nas viagens fantásticas que realizou por quase todos os continentes. Foi ainda o pai de Leonardo, Leopoldo Temperani quem fabricou, aqui no Brasil, o aparelho para apresentação do “homem-bala”. [ este aparelho era encomenda de dois irmãos italianos, os Irmãos Saquini. Mas, por um imprevisto, ficou no Brasil e foi utilizado pela própria família Temperani ]

Leonardo fala sem saudosismo, sorri, lembra-se de quando estreou o globo da morte que ainda hoje apresenta com seu irmão Júlio Temperani. (…) O [ Leonardo ] Temperani é sorridente, diz que não sente saudades de nada que já passou em sua vida mas gosta de falar no assunto. Lembra-se de quando trabalhou para a rainha Maria da Inglaterra, da sua afeição, da sua delicadeza. Ele tinha entrada livre em seu palácio. Muitas vezes ela o chamava para comentar assuntos que o surpreendiam e muitas vezes ele ficava sem saber oque lhe responder. Ele falava da rainha com maior respeito e admiração.

Eu continuava olhando, o Tápia, o Júlio Tápia Jr. é um homem, um profissional invejável. Ele fala pouco, só quando se pergunta é que ele fala alguma coisa. Não fala do que fez, mas sabemos da valorosa Troupe dos Tápias. Desde o primeiro dia, aprendemos a respeitar e admirar os conhecimentos do Júlio. (…) A Troupe dos Tápia foi considerada entre as melhores da América Latica [ ele se apresentava como trapezista voador ]. Eu olhava o Júlio ali na minha frente, ele agorá esta com os cabelos brancos, com sessenta anos. Mas ainda está na ativa. Depois da aula de dois períodos, ele faz número de trapézio de vôos no Circo Pimentel.

Ali também sentado, o Ubirajara, da Troupe do Índio Jotha, que começou a trabalhar com sete anos de idade. A Troupe esteve na ativa de 1920 à 1960. Ubirajara viajou por várias cidades do México representando o Brasil. (…) Agora Ubirajara, que se exibiu por tantos anos, diz, com certa mágoa, que deixou seu número antes que fosse deixado por ele. Ubirajara só quer passar o que sabe, o que aprendeu em tantos anos de profissão.

Continuo olhando esses mestres e penso: ‘Esses homens representaram a própria história do circo no Brasil’. Pena que o tempo seja tão sádico com os seres humanos pois, passa por todos impiedosamente. Há homens por quem o tempo não deveria passar. (…)

O Roger pede um café. O Roger é um ciclista, humorista, que vivei quase toda sua vida no circo do seu pai, Nerino Avanzi. Os pais de Nerino vieram para o Brasil lá pelos anos de 1890 e eram cantores de ópera. (…) Os olhos de Roger se enchem de lágrimas e, passando o lenço nos olhos, diz, tentando sorrir, que essas coisas o comovem mas ele gosta de se lembrar da história do seu pai. (…)

Os Irmãos Santiago também dão as ginásticas básicas de solo. Eles estão no Circo Medrano e se apresenta em números de saltos e ‘dandys’. (…) Os Irmãos Santiago possuem o seu próprio circo, que atualmente está excursionando pelo interior do estado de São Paulo. (…)

O Abelardo exercita um aluno em um trapézio. Abelardo Pinto é sobrinho do Piolin, primo do Archimedes, que também foi respeitável artista, e pai de Ankito, que junto com Omar Savala formou a dupla ‘Ankimory’, paradistas tão bons que eram chamados para os festivais mais importantes do mundo. Sempre eram destacados especialmente pela clase, pelo valor e pela categoria internacional. Essa dupla de paradistas terminou com a morte de Mori [ Omar Savala ]. Ankito nunca mais pode refazer esse número com outro artista e, meio desencantado, foi para a televisão, desistindo definitivamente da arte circense. O Mori era irmão de Zoraide Savala, que também está na escola dando exercício de deslocação [ contorcionismo ]. Ela é sobrinha do mestre Juscelino Savala que também dá aula de ginástica básica de solo.

A escola não poderia deixar de ter uma professora de magia, a Estercita, Ester Fernandes, filha do mágico Dossel. Estercita foi premiada como manipuladora clássica no primeiro concurso de mágicos do Rio de Janeiro em 1957. (…)

E assim, cheia de belos pensamento, vi chegar o fim de mais uma aula. Todos cansados, mas cheios de esperança! Todos os mestres, ou quase todos, foram na kombi do Leonardo e eu também. Fomos conversando sobre o circo. Ele sempre muito falante, sente grande prazer em falar sobre a arte circense e também sobre a vida no circo.”

Todo o conteúdo transcrito foi selecionado, e está apresentado com algumas sutis intervenções, a partir do exposto entre as páginas 9 – 28 do livro “Picadeiro” de Dirce Tangará Militello. Tem uma foto no livro com a Dirce e os mestres todos. E, mais alguns trechos do livro em “… sobre os professores I”.

Discussão

3 comentários sobre “Do livro de Dirce Militello: sobre os professores II

  1. Parabéns!

    Publicado por sandrahelenas | 25 de outubro de 2012, 13:37
  2. Parabéns!!!

    Publicado por sandrahelenas | 25 de outubro de 2012, 13:37

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  1. Pingback: Do livro de Dirce Militello: sobre os professores I « Academia Piolin de Artes Circenses - 7 de agosto de 2012

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