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Entrevistas

Roger Avanzi, entrevista realizada em 22 de dezembro de 2003

depoimento de Roger Avanzi, o Palhaço Picolino, concedido em entrevista realizada em 22 de dezembro de 2003

 

Vou contar um pouco sobre a fundação da escola Piolin. No Brasil o circo se resume a São Paulo. São Paulo é o esteio, sempre foi e continua, São Paulo é a máquina, é a locomotiva e sempre foi. E todo circo saia daqui. Todo circo era feito aqui e saia viajando, pra lá e pra cá, mas a sede era sempre São Paulo. E nunca teve, porque até no exterior… Nesse tempo não tinha escola de circo também. Mas lá que começou ter primeiro do que aqui no Brasil. Não tem nem comparação. Lá tinha as escolas de circo. Na França, por exemplo, todas as cidades tinham uma escola de circo. Tanto que os circos, para trabalhar por lá, viajando, trabalhando, tinham que ter um bom espetáculo, bons artistas porque o povo sabia, conhecia o artista bom e o artista ruim e o circo que valia a pena e o que não valia à pena. Por quê? Porque eles tinham a escola deles lá e aprendiam a arte do circo. Isso na França, e em outros países da Europa também, da América e tal, mas no Brasil o circo foi zero. Por quê? Porque ele não tinha as escolas, então os artistas saíam da própria família. A família que passava a arte para o filho. Os pais, os filhos então passavam. Às vezes passavam para o filho o mesmo número. Os pais passavam para o filho. Às vezes passavam geralmente o mesmo número que os pais faziam, o filho ia crescendo e tomava parte e seguia, os pais ficavam velhos e o filho continuava fazendo aquele número. E outras vezes não, outras vezes o filho aprendia outros trabalhos, outros números. E foi chegando uma época que seria interessante que tivessem escolas no Brasil.

Os mais antigos como o Piolin, o Arrelia – esses eram bem antigos – eles pelejaram para fazer escola de circo aqui em São Paulo, onde viviam. E não conseguiram. O Piolin com toda fama que tinha e o conhecimento das autoridades, aquele negócio todo… O Arrelia também, o Arrelia tinha muita força. Nunca conseguiram fazer uma escola de circo. E os artistas mais antigos, sabendo como era no exterior, gostariam que tivesse aqui também, porque eles vão deixando de trabalhar. Aqueles números de barra, de trapézio, disso ou daquilo, não vão podendo fazer mais. E o que aconteceria? O que aconteceu! Muitas pessoas passavam a participar de uma escola e continuavam a vida de circo ensinando aquilo que cada um ensinava aquilo que sabia. Assim começou aquela vontade dos artistas antigos, de ter uma escola no Brasil.

O Seu Francisco Colman sempre foi de circo, ele trabalhou no circo do meu pai, quando eu era criança. Fazia número de argolas em balanço. Era secretário do circo, era muito instruído e ensinava as crianças também, principalmente eu. Ele é que me deu as primeiras letras, foi o Francisco Colman. Ele era bravo. Eu era bem pequeno, mas ele andava e batia na minha cabeça com o lápis quando eu não acertava aprender a ler e a escrever. Depois ele se erradicou aqui em São Paulo. E conseguiu, fez a Casa do Ator, foi ele que fez tudo. Ele que comandava, mas não era dele a Casa do Ator, era do governo, da prefeitura… Mas, ele tanto fez que ficou tudo para ele. Ninguém conseguiu tirar, pelejaram para tirar do Colman a Casa do Ator, mas não conseguiram. Coitado, ele morreu. A Casa do Ator foi feita com a finalidade de receber velhos artistas para morar lá, como tem no Rio a Casa dos Artistas… Fala Casa do Ator, mas era artista, era ator, artista de circo, de teatro, tudo. E tinha lá uns quatro, que moravam lá, de circo. Ele contava coisas do arco da velha, de gente idosa que morara lá. Ele tomava conta daquilo tudo. Depois não foi tendo mais essas pessoas, ficou muito ralo, muito pouca gente lá na Casa do Ator… O Colman fazia outras coisas, ele tinha um grande número de alfaias, de roupas e ele alugava. Roupa de Papai Noel… E na frente ele construiu uma casa na rua, chama-se Rua Casa do Ator. Na frente ele construiu uma casa boa, para a mulher que vivia com ele.

Nós, eu sempre falo nós porque eu era um dos artistas velhos que fiquei em São Paulo, quando saí do Garcia… Quando o Circo Nerino – eu vou misturar tudo porque é escola de circo – quando nós paramos o nosso circo em Cruzeiro, eu não ia mais trabalhar em circo, ia fazer outra coisa. Mas o Seu Garcia, que é parente da família da minha senhora, voltou do exterior e veio me pedir para eu me juntar a eles. Eu terminei indo. Eu e o anãozinho Pinguim. Fazendo a parte cômica do espetáculo. Trabalhei no Garcia. Eu ia dar uma voltinha só, fiquei sete anos com o Garcia. Minha mãe e meu tio viajavam comigo. No Recife, esse meu tio, irmão da minha mãe, faleceu. Então nós viemos para São Paulo, com o circo, e a minha mãe ficou muito doente. Ela era muito idosa também, não aguentava mais viajar e ela chorava porque eu ia viajar, ia embora e ela não ia me ver mais, coisa da cabeça dela. Então, por causa dela eu saí do Garcia e fiquei em São Paulo. Foi justamente quando a turma estava pelejando para fazer uma escola. A Amercy, o Savalla, o Aberlardinho… Esse povo. E eu não tinha o que fazer, o Colman foi me buscar e disse “você vai ajudar”. Então vamos, eles querem fazer de circo uma escola. E a escola começou do nada. O Colmam levava esses artistas antigos lá pra Casa do Ator para fazer reuniões, conversar. “O Arrelia não pode fazer, mas você vai Colmam. Você tem…” botando fogo nele. E, ele ia também com a gente. “Mas como é que vamos fazer?” Aí, haja reunião, queriam começar a ensaiar na Casa do Ator, com os artistas antigos. Foi lá que eu conheci a Amercy, que estava nesse meio também. E tanto fizemos que o Colman começou a mexer os pauzinhos e conseguiu fazer a escola ali. Foi, estreou. A escola Piolin começou, mas não tinha nome direito ainda, não tinha nada organizado ainda, mas já ensaiava ali, na Casa do Ator. Então, a Casa do Ator não dava. Aí, ele conseguiu lá com o diretor do estádio do Pacaembu, não me lembro o nome dele, para deixar a escola de circo funcionar lá debaixo do tobogã, aquela arquibancada que tem, embaixo tem aquele vão. E nós íamos e passávamos o dia lá. Ali nasceu a escola Piolin. Botou o nome do Piolin, porque ele tinha morrido na época e era famoso. Então, em homenagem à ele ficou o nome APAC. Nós tínhamos nas roupas: A – pa – Apa – c. Era Academia Piolin de Artes Circenses.

Ali no Pacaembu dava um trabalho, naquele tempo, para furar aquele cimento, para botar estacas, armar trapézio, armar barra, para isso e pra aquilo. Ttinha cama elástica. Ensinava bicicleta, armava bicicleta. Um pouco de palhaço, estava começando a ensinar palhaço, ainda não sabia se valia à pena ensinar palhaço ou não. Porque os colegas antigos, Piolin, Arrelia e esses mais sabidos, eles brigavam comigo porque eu ia ensinar palhaço. Nós armávamos toda manhã, íamos cedo para lá para armar aqueles trapézios, trazer aqueles materiais, a cama elástica, porque ficava tudo guardado, empilhado. Não tinha espaço para guardar aquilo. Não podia ficar nada, nada… Porque tinha jogo. Tinha um quartinho ali e lá eu guardava as bicicletas. As bicicletas eram minhas. Eu cedia as bicicletas para ensinar, gastava pneu. Eu comprava pneu, recuperava para escola. Arrombaram o quartinho e roubaram as minhas bicicletas, tudo. Pois é… Foi tudo que nós sofremos. Sofremos à beça. Aí o governo fez um circo, bom para a escola, mas aproveitou que estava na época de um festival do Guarujá. Todo ano tem aquelas festas lá no Guarujá. Esse circo foi inaugurado lá no Guarujá, numa praia, um lugar muito bonito. Todo dia um ônibus levava… Nós íamos, enquanto estava o circo lá no Guarujá, íamos ensaiar na Casa do Ator, íamos dar aula na Casa do Ator, para não fazer lá no Pacaembu e para aproveitar uma coisa e outra. Mas não tinha circo ainda, sabia que aquele circo que estava em Guarujá ia ser da Academia Piolin. Os professores e os alunos iam todo dia pro Guarujá de ônibus para dar espetáculo, davam espetáculos lá de tarde e de noite também. Acabava e o ônibus trazia a turma para São Paulo. Foi muito bom, foi um sucesso tremendo, os alunos já sabiam fazer bastante coisa, os professores participavam também. A parte cômica era o Picolino e o Pinguim. Era eu e meu parceiro… Nós fazíamos comédias, fazíamos reprises, fazíamos o diabo a quatro. Todo dia, todo dia, todo dia. Foi, não me lembro o tempo, um mês, dois meses. Mas foi bastante tempo. Quando acabou, tiramos o circo do Guarujá, veio para São Paulo e ficou armado ali onde hoje é o Sambódromo do Anhembi. Ali era um terreno baldio. O circo foi armado ali. Muito bom. Ali então passou a ser o Circo Escola Piolin no circo mesmo.

E foi ensinando muita gente, inclusive muitos atores, que iam aprender. Às vezes eles, atores que ia representando peças, precisavam de trapézio, ou isso ou aquilo, dar um salto, uma coisa, e eles iam aprender lá no circo. Muitos atores iam aprender. E tinha uma quantidade enorme de alunos, alunos pequenos, crianças e adultos também. Nós fazíamos muitos números. Hoje quase todos esses grupos começaram ali. Depois passaram para a escola Picadeiro. Mas começou tudo ali. O Gil, o Luizinho (Luiz Ramalho). O Luizinho, nós somos muito amigos. Ele faz aniversário no mesmo dia que eu. E ele começou ali, ele saltava muito na báscula, fazia trapézio, tudo. A tv Cultura achou de gravar aquele programa Bambalalão que fazia muito sucesso. Era o Tic-Tac, a Gigi. Como era o nome dos outros… Eu não me lembro no nome deles todos. Eram muito bons. Quase teatro, não tinha nada de circo. E achou de trazer eles, e todo sábado vinha, os aparelhos, as máquinas, tudo da Cultura para gravar o espetáculo Bambalalão, Circo Bambalalão. Todo sábado gravava. Contratava artista de São Paulo, do interior, de todo canto. A Amercy que contratava os artistas para tomar parte no espetáculo. A parte cômica era eu quem fazia, e eu comecei a ensinar o Tic-Tac como é que fazia o palhaço do circo, pois ele era palhaço da televisão e não sabia aquelas coisas do circo. E foi aprendendo, aprendendo, aprendeu. A Gigi gostava muito, nós fazíamos aquele esquete, aquelas coisas. Todo sábado gravava e todo sábado o programa ia pro ar. Enquanto a gente estava gravando um, o da semana passada estava no ar. E era muito bom, o que a gente precisava pedia na Cultura e, a gente já programava para semana que vem a ‘reprise’, isso e aquilo. O que a gente pedia vinha tudo, tudo, tudo, tudo. Depois o Tic-tac saiu dali, acabou o circo escola ali, e esse programa Bambalalão também. O Tic-tac foi pra Record e ele me levou. Eu fui trabalhar com ele. Fiquei muito tempo trabalhando com ele na Record. Só que na Record… Eu falei que tinha tudo na Cultura, na Record não tinha nada, você precisava de um prego não tinha, você tinha que arrumar o prego. O que você queria, você que arrumasse porque eles não davam nada.

Mas trabalhamos e foi muito bom, sucesso tremendo, porque o povo não pagava ingresso. Era de graça. Ficava assim, bem cheio, o circo para o espetáculo. Sucesso absoluto o Bambalalão no circo escola. Nos outros dias o circo era escola, e no sábado era o circo Bambalalão. Ficava ‘assim’ o público! Mas, as pessoas foram relaxando, alguns professores saíram também. Muitos alunos que trabalhavam passaram a trabalhar fora. Resultado: foi saindo todo mundo. E ficaram dois. Duas pessoas tomando conta: a Amercy e o Roger. Ah como nós tínhamos que nos virar, a ensinar, a tomar conta da papelada, que era tudo largado. Fomos relaxando desse jeito. Até que o circo foi se estragando, uma empalada estragou e numa daquelas gravações choveu, e caiu mais chuva dentro do circo do que fora. E tinham aqueles aparelhos, aquelas máquinas para gravar. Aquelas câmeras de filmar e tudo… Foi muito mau. Teve que parar e a escola de circo, parou.

Quando chovia, fazia aquelas bolsas d’água. O povo corria, caía no palco, caía nas câmeras. Estragava. Eles não fizeram mais. Quanto às coisas do circo, os mastros, os trapézios, desmontaram tudo e ficaram com o Colmam, foi lá para Casa do Ator. Não sei que fim levou aquilo, o que ele fez. Não sei. Mas foi lá pra Casa do Ator. Muitos professores foram saindo porque não ganhavam nada, ganhava-se uma miséria. O metrô que pagava uma época. A gente ia receber lá da firma do metrô. Mas os professores recebiam uma besteirinha. Então, eles arrumavam trabalho em circo, os circos os contratavam e eles iam ganhar bem. Foi o que aconteceu com a maioria deles. O Aberlardinho saiu dali, o Abelardinho Pinto. Ele e o Jota foram pra escola de circo lá do Rio de Janeiro, a Nacional. Lá ganhava bem, lá pagava. Aqui não pagava. Não ganhava nada. Quer dizer, nada é um modo de falar. É tão pouco que é o mesmo que nada. Quem financiava a escola acho que era a Secretaria da Cultura do Município. Essas coisas eu não sei bem… A Amercy sabe dessas coisas, porque ela fazia muita direção e secretaria. A Piolin teve muitos alunos. Passaram muitos alunos pela escola Piolin. E demos espetáculos.

Então, o José Wilson da Escola Picadeiro me levou para lá. Depois eu fui para a escola Picadeiro, fiquei muito tempo lá. Eu trabalho até hoje na escola Picadeiro, só agora que eu estou de férias. Eu me operei. Eu botei aqui na perna, no fêmur, uma prótese. Parei para fazer essa operação e não voltei mais, mas eu trabalho lá. Ele briga comigo, eu gosto muito do Zé Wilson. Veio o Quércia. O Quércia era governador na época e ele fez aquele Programa Enturmando para tirar as crianças da rua, no circo. E fez aquele primeiro circo, primeiro circo desta base lá na Brasilândia, na Vila Penteado. O governo fez o circo, o Zé Wilson é que era o chefe, que tomava conta, e nós fomos armar o circo lá na Brasilândia para um espetáculo. Pra um espetáculo, armar o circo foi um espetáculo. Teve passeata na rua. Banda de música, o diabo a quatro lá para armar o circo… Armou. E ficou a primeira escola do governo.  Porque a do Wilson não é do governo, a do Wilson é particular. Foi a primeira escola que o governo fez para tirar as crianças da rua. Foi ali. Depois fez em outros bairros também. Montou outras também. Nós fomos inaugurar outras. Grajaú, e mais não sei aonde, e não sei aonde… Agora tem uma coisa: essa escola Piolin, como era do governo, o governo que fez e estava funcionando, primeiro no Pacaembu, depois no Anhembi. Quantos espetáculos nós fomos dar, nos Sescs, nas ruas, nas praças, a escola Piolin lá ia, vinha um ônibus que pegava os alunos, professores. Aí ia o Picolino trabalhar, como eu trabalhei! Trabalhei a beça! Dando, ensinando na escola e dando espetáculos na rua, nas praças, no Sesc. Aquele Sesc Itaquera lá longe, quantas vezes a escola esteve lá dando espetáculo. Eu fazia números de bicicletas ainda, fazia palhaçadas. Trabalhamos à beça! E o circo derreteu na chuva. O Colman fazia outros trabalhos, relaxou. Relaxou com o circo e o circo teve que parar. A escola Piolin parou. Então, foi quando o Quércia fez essas, e o Zé Wilson fez esses outros negócios e me levou para eu armar o circo, para eu ficar dando aula e alguns outros professores, e dali também saiu muita gente que hoje trabalha. Formaram esses grupos todos que estão por aí, foram formados na escola Picadeiro e essas escolas que foram feitas. E é assim a história que você ouviu da história de circo em São Paulo.

Da escola lá da Brasilândia do Projeto Enturmando foram quatro alunos para Monte Carlo. O Wilson, eu, a Alicinha levamos eles para lá e foram se apresentar naquele circo estado lá de Monte Carlo. Ganharam umas taças bonitas, lá no espetáculo de gala deles, fazendo número de bicicletas e número de arame que a Alicinha ensinou e eu ensinei o número de bicicletas. Ficamos uma semana lá no hotel em Paris. Imagina quatro moleques da…“Nós estamos em Paris!”. Muito Bom. Ali os pegamos e fomos para Monte Carlo. Lá ficamos morando numa mansão de uma, não era princesa não, era rainha sei lá, um troço desses. Então, ficamos lá, fizeram um espetáculo e eles agradaram muito. Trouxeram umas taças desse tamanho.

Mas, voltando. Lá na Piolin, além de cama estática, bicicletas, também se ensinava trapézio. Não vôos, mas trapézio simples, fixo e balanço. Tinham umas moças que faziam trapézio muito bem. E tinha báscula, tinha bicicleta, tinha número de solo, saltos, cama elástica. Tinha muita coisa lá. Eu comecei a dar aula de palhaço, mas aí foi aumentando a aula de palhaço. Eu não terminei. Eles diziam para mim – os amigos antigos de circo, os palhaços -, que eu estava perdendo tempo, que não se ensina a ser palhaço. Eu ouvia, ficava calado, mas discordava, porque eu achava que precisava ensinar. Eles achavam que tinha que ter dom, mas só o dom não faz o palhaço, tem que saber. Ninguém nasce sabendo. Então, eles iam e hoje são profissionais, muitos profissionais aí trabalhando de palhaço. Então, o que acontece? O que pode acontecer é o seguinte: eles sendo profissionais, podem ser iguais aos médicos, aos advogados, aos engenheiros. Tem médicos muito bons, mas tem médico lá que não é bom não. Dizem “ah não se trate com aquele médico, ah aquele médico não é muito bom”. Tem advogado que não ganha causa. Tem engenheiro que faz a conta e o prédio cai. Porque não é bom profissional. E tem os bons, né? Os bons. Assim serão os profissionais de circo, os palhaços. Terá o palhaço bom, muito bom, sensacional. Terá o palhaço médio, que trabalha. E terá o palhaço que não tem muito dom, mas que trabalha também, que faz, mas não tem muita graça, não é engraçado, mas trabalha, ganha o seu pão. É isso aí, igual aos profissionais das outras áreas. Sou dessa opinião, mas os antigos não eram dessa opinião. O palhaço tinha que ter o dom, nascer palhaço. “Não ensina, Roger, não vai ensinar, tá perdendo tempo!”, “Não, eu vou ensinar, e eles aprendem e vão fazer o que, o que aprenderam!”. Eu ensinava muita coisa, os mandava fazer aquelas palhaçadas, aquelas já prontas do circo. Eu sempre falava: “Vocês vão criando, criando outras coisas, vão criando outras palhaçadas e eu, muita coisa!”, falei. Aí passei a ensinar lá na Brasilândia. O Wiliam Silva foi um dos meus alunos e eu comecei a ensinar a ele na Brasilândia. Ele tinha parece que sete anos, ou onze anos e começou a aprender a ser palhaço lá na Brasilândia. Ele gostava de palhaço, e um pouco de saltos também, cama elástica. Hoje ele é um profissional de primeira categoria. Ele não dá conta do trabalho que ele tem que fazer, faz teatro também, e me ajuda.

Quem trabalhava comigo era o Pinguim, aquele anãozinho. O Pinguim morreu e o William passou a trabalhar comigo. Então nós formamos uma dupla. O palhaço Fusca-fusca. O Picolino e o Fusca-fusca. Nós fomos fazer show, fizemos muito show, aniversário, muito. E continuamos trabalhando juntos. E ele trabalha mais que eu, que eu estou parando. Eu estou pedindo a Deus pra não trabalhar. Ficar parado descansando. Mas o povo é danado, todo mundo conhece meu telefone…

Para fazer aula na Piolin tinha que se inscrever. A gente tinha aquela papelada para ficar anotando o desenvolvimento do artista. Ainda tenho. Igual a escola pública mesmo, o desenvolvimento do aluno. Os números, graus… A gente ia anotando, mas era cheio, comigo tinha uma porrada de artistas, de alunos. Muitos alunos lá na Piolin, bastante mesmo. E depois lá na Enturmando também. Bastante aluno. Esse Wiliam gostou tanto, que ele hoje em dia ganha a vida dele artística. É um artista de primeira categoria e aprendeu assim lá na escola. Mas, muitos não chegavam a se tornar artistas. Crianças às vezes iam estudar. Mas, muitos se formavam, seguiam carreira de circo. Muitos mesmo. E muitos saíam por aí trabalhando. Formando esses grupos que você conhece por aí, grupos bons. Lá eles aprenderam e melhoraram a situação, formaram equipes e coisas muito boas têm por aí. Eu fui assistir a um espetáculo que o Hugo Possolo dirigiu no teatro da PUC, de circo com teatro, os Fractons. Aliás, foi no último dia que eu fui lá. Eles estavam pelejando pra eu ir e eu não podia, mas um dia vieram de carro aqui e me pegaram na marra. Muito Bom. Era um espetáculo completamente diferente, que é o que precisa, fazer um espetáculo diferente daquele tradicional de circo. Muito ar… Treze artistas, treze entre homens, rapazes e moças, treze. Faziam um misturão, bailado com salto, com diabo a quatro, com tecnologia. Com um cenário que eles saíam de lá de cima. Gostei muito daquilo e é isso o que precisa. O público quer ver novidade, tem sempre a mesma coisa e por isso que o circo vai decaindo. Precisa misturar. Hoje em dia eu falo com o pessoal de circo: “Misturem a arte circense com tecnologia. Inventem aparelhos técnicos, trapézios, aviões rodando dentro do circo, e o diabo a quatro que não sei o que é. Mas inventem e façam”. Porque o artista já chegou quase no fim de aprender o que tem que aprender. Quero dizer, tem muita coisa, não para de aprender, mas vamos exemplificar com os trapezistas voadores: eles conseguiram dar um salto mortal e ir para as mãos. Isso no começo, no começo dos voadores. Salto mortal. Foi uma grande coisa dar um salto mortal e pegar nas mãos. Depois que já era comum aquilo, eles passaram a ensaiar doble volta e pegaram a doble volta. Chegaram a dar triple volta. Teve um que deu quatro voltas, no mundo todo. Conseguiu dar quatro voltas. E aí parou, não pode ficar rodando no ar a vida toda, vum, vum, vum. Não tem asas. Imagina dar quatro voltas nos vôos é muita coisa. E parou. Então, esse é o exemplo que eu quero dar. O atleta que chega nesse ponto não tem mais, não pode prosseguir, aumentar. Bote um aparelho novo! É o que eles tão fazendo lá. Lá no Soleil, lá naquele circo você vê coisas incríveis. O circo russo quando veio aqui trouxe aparelhos que as mulheres voavam. Era tudo aparelho com elásticos que puxavam. As mulheres voando. É preciso ter esses aparelhos. O artista vai continuar fazendo o que ele faz, ele fica dependurado no trapézio, ele fica pendurado de cabeça para baixo, ele faz o diabo a quatro no trapézio, mas um trapézio comum. Então, faz um aparelho diferente. O artista vai continuar fazendo que ele sabe e o povo vai fazer: “ah! Que coisa linda, que beleza, aquele aparelho”. Tecnologia, elétrico, maquinário. Isso é que eu digo, o circo tem que se meter a fazer essas coisas.

Eu ia lá no Pacaembu, praticamente começou lá a escola Piolin. Começou lá na Casa do Ator, mas quase nada, bobagem, tinha muito pouco aluno na Casa do Ator, quase nada. Eram mais entrevistas, reuniões dos professores, “como é que vamos fazer, como é que tem que fazer…”. Mas não tinha onde fazer. Não tinha o circo, queria fazer circo. Até que conseguiram o Pacaembu. Lá debaixo. Lá sim os alunos foram chegando e fazendo. E foi aumentando a quantidade de alunos. Muitos mesmo. No Pacaembu nos dávamos bem demais com certos alunos e alunas, mas no meio de tantos tinham uns favoritos dos professores. Do professor para o aluno e do aluno para o professor. Coisas da vida mesmo, não sabe por que que acontece isso. Simpatias. Não tem como, a pessoa simpatiza com a outra de primeira vista. Daí, casam, namoram. Amor à primeira vista, todas essas coisas. Lá não era amor à primeira vista porque demorava. À segunda vista, à terceira vista, à quarta vista. Bom, a Verônica, eu vou citar a Verônica, ela estudava jornalismo. E ela foi fazer uma reportagem. Foi ver lá no Pacaembu a escola de circo que começava a ficar conhecida. Ela foi como jornalista fazer uma reportagem, como estudante de jornalismo ainda. Não preciso dizer que ela gostou da coisa, né? Achou muito bonito. Fez reportagem e voltou para ver de novo. Voltou, se inscreveu para ser aluna da escola e foi deixando os estudos, foi largando os estudos e se aperfeiçoando como aluna da escola.

Nos intervalos, na hora de almoço, parava as aulas da manhã e a gente almoçava por ali mesmo no Pacaembu. Trazia, ou fazia comida lá. Ou ia almoçar fora e voltava, mas ficava ali. Nessa hora algumas alunas faziam aquela rodinha em volta do professor para fazer aquelas perguntas. “O que vocês querem saber?” Começavam a fazer perguntas: “como é que é a vida de circo? Como é que era, como é que foi, o que acontecia, o que acontece…”. E a gente ia falando. Os professores todos sabiam, de cor e salteado, eu principalmente que nasci num circo. E ia contando, contando. Eu pegava álbuns em casa, que eu tinha álbuns desses retratos, que estão lá com a Verônica agora, e levava e mostrava para todos ali, e alguns alunos que gostavam de saber, ficavam e conversavam. Então, os rapazes e moças gostavam de ver aqueles retratos. Inclusive antes eu contava isso que eu conto agora, passado no livro. Eu conto coisas de circo para outras pessoas, para todo mundo, mesmo que não seja aluno, ou para outras entidades. Eu sou maçon. Fui muito na maçonaria, que forma um grupo de pessoas. Todo mundo que eu conto coisas de circo, todo mundo fala para mim: “Roger, por que você não escreve um livro sobre isso?” “Ah, não sei escrever um livro, eu não tenho condições de escrever, não tenho competência para escrever um livro.” É lá na escola, nessa hora que eu levava os retratos para os alunos verem… A Verônica foi um dia: “Roger, vamos escrever um livro?”, “Não, Verônica, livro dá muito trabalho!” Depois começamos a escrever e ela ficou sabendo, ela viu o trabalho que deu. Eu sei, por que o Seu Garcia escreveu um livro e, eu estive sete anos com ele, ele me contava a dificuldade de fazer um livro. Então, eu passava pra Verônica: “não dá, não dá, não dá!”. Tanto que ela me encheu. “Vamos fazer, não, eu faço, eu escrevo”. Até que um dia ela veio em casa para eu conversar com ela, e ela gravando. Ela disse “vamos fazer um livro”, “Ah, fazer um livro… Eu…”,“Vai contando aí!”, e ela foi anotando, gravando lá no quintal de casa. E anotou muita coisa. E daí começou a história do livro, já faz tempo, faz não sei quantos anos. Não sei quantos anos até conseguir e agora conseguiu. Agora que vai sair o livro, mas ainda vai demorar. Porque tem que ir, pegar o texto, rever, editar, ver o que não vai ficar. Pessoas vão ajudar. Tem radialista, gente que está metida no meio, tem desenhistas que estão, que vão desenhar. Porque contam que davam cambota, saltos mortais, salto leão, então vão desenhar essas coisas todas no livro.

E foi contando as histórias para os alunos, que chegou num ponto de tanto interesse… “Porque não faz o livro, porque não faz o livro?”. A Verônica resolveu fazer, foi uma que deixou de ser estudante, que ela estudava e passou a ser de circo. E ela continua no teatro, no circo, ela faz muitas palestras também, prepara, me leva. Prepara com cartazes de circo, nossa! Com esses retratos assim bem grandões, enormes. Quando vai fazer palestra coloca, enfeita com esses grandes, fica muito bonito. Tivemos em Belo Horizonte numa feira. Um colosso. A Alicinha foi comigo, ela participou, eu participei. A Verônica coordenava tudo, ela é muito inteligente.

Como falei, lá no exterior, na França, tem bastante escola. E aqui o Piolin e o Arrelia começaram a ter vontade de ter, de fazer uma escola funcionar, mas não sei muito bem porque não participei disso. Nessa época que eles pelejaram, eu estava viajando. Eu nunca fiquei parado, quando eu parei em São Paulo foi de uma vez. Foi quando começou a escola Piolin. Mas, antes disso eu estava viajando, paramos com o nosso circo, e o Seu Garcia me pegou para eu viajar com ele e fomos para o Nordeste, fomos para o Amazonas, num lugar que estava apresentando e depois ficamos viajando aqui no interior de São Paulo, também fomos para o Mato Grosso. Até que minha mãe não pôde mais viajar. E durante esse tempo é que eles estavam pelejando para fazer a escola e eu não estava metido na escola. Eu não ajudava em nada porque estava fora, sempre fora, mas sabia. Depois eu comecei a participar das reuniões, na Casa do Ator, e a escola começou a funcionar. E foi interessante ter uma escola de circo porque achávamos, nós achamos que as famílias não estavam mais ensinando os filhos. Estavam acabando artistas de circo. O Brasil, antes de mim, no tempo do meu pai, era um celeiro de artistas, tinha artistas famosos que faziam trabalhos, saltavam no trapézio, maravilhosos. Isso foi acabando porque as famílias não queriam mais ensinar. Como a minha família. Minha senhora não quis ensinar os filhos porque achava que era uma vida atribulada e os colocou na escola. Passaram a estudar. Eles começaram a fazer, enquanto nosso circo funcionava. Meus filhos, eles ainda eram pequenos, faziam alguma coisa. Que o circo era teatro e eles também faziam teatro no circo. E quase todo circo tinha a parte circense e a parte teatral, as duas partes, era circo e teatro. Então, os artistas foram acabando. Os pais não queriam mais que os filhos fossem de circo. Não ensinavam mais os filhos, botavam os filhos na escola. Os filhos iam ser outra coisa, menos de circo. Alguns – tinham as exceções-, lógico, mas foi acabando. Nós achávamos que precisava ter escola de circo para essas crianças, essas famílias de circo que tinham criança e que não queriam ensinar circo, botava na escola, ao invés de botar para estudar coisa, botava na escola de circo, para ensinar, aprender a ser de circo, como aprenderam muitos.

E uma pequena percentagem era de gente de circo, a maioria era gente que não era de circo que andava nas escolas. A maioria era de leigos, crianças e adultos que achavam bonito, que começaram a fazer, gostavam e continuavam. Uns se transformaram em artistas e outros deixaram, foi só um hobby, fazia aquilo por gosto. Mas… Foi assim. Precisava ter escola, precisava. Tinha necessidade, senão teria acabado de uma vez. Porque os velhos, como eu, paravam. E os filhos? Então, nós achamos que nós podíamos ensinar, mesmo que não fosse a criança de circo, ensinar as crianças da cidade.

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