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Entrevistas

Nina – Rita de Cássia Sprovieri, entrevista realizada em 26 de outubro de 2004

depoimento de Nina de Cássia, concedido em entrevista realizada em 26 de outubro de 2004

Meu nome é Nina de Cássia, eu tenho 45 anos e hoje em dia eu ainda sou atriz. E também dou algumas oficinas de circo junto com velhos amigos da Piolin! Sempre unindo o teatro com o circo. Aliás, sempre me chamam pra trabalhar por causa do circo.

Eu estava começando, era 1978 eu acho… E eu estava numa companhia de teatro daquelas bem fuleiras, horríveis. A Companhia Pife Produções Artísticas. Aí eu conheci a Márcia Regina e a Audrey Smandeck. A Audrey é uma que é trapezista, foi casada com um domador, trabalhou no Tihany. Eles estavam fazendo o mesmo espetáculo que eu. Eu nem considero que foi nessa companhia que comecei como atriz, mas foi a primeira companhia em que trabalhei. E lá, a Audrey estava começando a fazer circo. Ela, que era uma pessoa sempre diferente, irreverente… ela apareceu com essa. Estava tendo uma academia de circo e eu e a Marcia Regina também fomos e entramos pra fazer… Aí que eu comecei, mas na verdade eu conto que eu comecei a fazer teatro a partir do teatro Nídia Lícia que foi em 1979, então acho que eu comecei a fazer circo talvez antes do que ser atriz mesmo.

Eu fui trabalhar depois no Teatro Nídia Lícia, que era só teatro mesmo. Era uma companhia de teatro que formava atores. A Nídia foi professora do Célia Helena, foi mulher do Sérgio Cardoso. Ela era uma grande mestra pra gente. Fazia um trabalho muito bonito. Aliás, a gente até comenta que é difícil pessoas profissionais como antigamente. Essa coisa da Academia Piolin… Eu sentia essa coisa, de ver um monte de gente machucada, mas na nossa época não tinha ninguém machucado. Era um cuidando do outro o tempo todo, ninguém subia no aparelho por subir sem ter alguém ali em baixo. Então, a gente tinha muito cuidado uma com a outra, com os outros. Agora não. Agora eu vejo muito o pessoal sozinho. “Ah, mas tudo bem!”… E eu não acho que tudo bem. Eu acho que você tem que estar atendo porque se está trabalhando com os outros. De repente um quebra um pé, alguma coisa e você vai… às vezes com adolescente, criança… É um problema sério.

Eu tava fazendo uma peça agora no ano passado e o pessoal chegava todo o dia atrasado… “Ah, mas não começa às quatro horas o espetáculo? Por que, que horas eu tenho que chegar?” Gente, em qualquer lugar do mundo pelo menos uma hora você tem que estar ali antes do espetáculo, no mínimo! Eu chego duas horas antes, que eu gosto de ficar no camarim, eu gosto de curtir, eu gosto de relaxar, de aquecer minha voz. Então, tem uma diferença esse pessoal profissional, então eu digo assim: as pessoas que saíram do teatro Nídia Lícia têm essa coisa de ficar muito profissional. Chega na hora certa, sabe seu horário, sabe seu lugar, acabou o espetáculo sabe pendurar sua roupa, sabe fazer a coisa certinha. É bem diferente.

Hoje em dia eu trabalho mais como atriz. Aliás, é muito difícil, não dá nem pra falar isso. Eu tenho aqueles meus velhos amigos que sempre me chamam pra trabalhar. Tem esse pessoal. Eles me chamam sempre pra trabalhar, então eu faço bastante coisa pra emissoras de televisão, coisas assim, vídeos institucionais, que vão para o mundo inteiro. E faço teatro com eles. Eu tenho um espetáculo que eu faço com a minha filha que esta semana a gente apresentou numa empresa. A gente faz um espetáculo sobre relacionamento que a gente fala sobre drogas. E… a gente pinga aqui, pinga ali… Quando eu comecei a fazer teatro, existiam várias companhias, existiam vários testes. Várias companhias que pagavam salário. O teatro Nídia Lícia também foi um teatro que pagava. Eu era assalariada.

Eu tinha 18 anos quando comecei a fazer aulas na Piolin. Eu acredito que isso foi em 1978. Eu fui uma das primeiras alunas. Acho que eu fui a número cinco ou seis. Eu lembro que em 1979 eu tava com tudo! A gente passava o dia inteiro na escola e fazia todos os espetáculos que tinham na academia. Então a gente se apresentava direto pela Academia Piolin. Antes de fazer aula lá eu fazia aula de dança. Eu comecei fazendo aula de dança, comecei a fazer aula no Ismael Guiser, minha coisa era balé mesmo. Fiz com a Mariana Nadal… Aí eu caí com a Marilene Silva, que também foi uma pessoa que levou todo o grupo dela de dança pra Academia Piolin. E eu fique muito tempo dançando com a Marilene. Nessa época eu não estava no grupo da Marilene, que ela tinha um grupo mais profissional. Mas depois vim a fazer parte do grupo dela.

Mas quando entrei na Piolin, foi a Audrey que levou a gente. Ela é filha da Dulce Damasceno de Brito, uma jornalista que escrevia sobre Hollywood. Ela morou em Hollywood, então ela foi amiga de James Dean, dessas pessoas. Ela tinha uma matéria no jornal que chamava ‘Hollywood urgente’. Não sei nem se a Dulce está viva, mas deve estar. A Dulce ainda era nova. A gente saía pra jantar fora e ficava na mesa com a Dulce contando aquelas histórias, das fofocas da época dos amigos dela de cinema.

O primeiro dia na Piolin foi ótimo. As pessoas já achavam que eu tinha jeito pra um monte de coisa, principalmente a parte de acrobacia. Inclusive, depois eu vim a desenvolver o contorcionismo. Eu agora com esse peso… Mas eu fiz contorcionismo em cima da mesa! Ah, a gente ficou enlouquecida, era dor no corpo o dia inteiro, voltava pra casa. O pessoal virou uma família. E foi muito interessante que depois de muitos anos, eu não tava fazendo nada de teatro aqui, resolvi ir pra Europa. Na verdade, eu estava em Nova Iorque um dia e aí eu vi um show de rua e falei: “Poxa, eu sei fazer um monte de coisa, como que eu não venço fazer alguma coisa, né? Na rua, tudo”. Fiquei com essa coisa na cabeça. Montei um show eu sozinha. Depois eu te mostro uma mala que tem as coisas de trabalho. Fui montar uma coisa de brasileiros, fazia mágica, fazia roupas, fazia um monte de coisas, malabares…

E levei pra me apresentar em Nova Iorque. Só que eu fui com meu marido. No primeiro espetáculo, eu comecei a fazer o maior sucesso e ele ficou com uma crise de ciúmes. Eu tive que pegar e falar: “Parei vai… senão não vou curtir a viagem” que eu tava fazendo com ele. “O cara vai ficar louco, vai querer brigar com os outros no meio da rua, vai acabar saindo morte, né?” Quando eu voltei. Um amigo nosso que estava no Brasil, o Abel Brado. Ele mora eu acho que na Holanda, faz parte de uma companhia italiana de ópera. O Abel veio aqui na minha casa e eu falei: “Abel eu tenho um espetáculo. Tenho uma mala”, ele falou: “Ah, Nina, a Europa está de braços abertos pra você, vambora!”.

Eu to indo pra casa da Malu, a Malu que você já deve ter ouvido falar, que também foi mulher do Breno e teve uma filha com ele. E a Malu tinha um espaço cultural na Espanha, em Barcelona. E a gente tinha mais um outro amigo nosso que era o Zequinha, que tava na Itália. Eu falei : “Ah, vou embora né, cara? Vou pegar e encontrar essas pessoas”. E o Abel foi uma mão na roda, porque quando eu cheguei, o primeiro papel que eu fui fazer foi com o Abel em Barcelona. E ele me deu a maior força, ele saía comigo, e era essa coisa de passar o chapéu na rua. Foi muito legal ter feito essa coisa. E foi interessante que eu tive oportunidade de encontrar os amigos da Piolin que estavam morando na Europa. Trabalhando lá, e foi bem legal.

Esse espetáculo já faz uns dez anos, quer ver? Vou te mostrar. Com a mala eu chegava, eu tirava já um banquinho daqui de dentro da mala e ela ficava aberta, era meu camarim. Daqui saía um pezinho, daqui também outro pezinho, e eu pendurava plumas, aquelas coisas de camarim, espelho saía daqui também! Era um espelho desses de carro. Como eu não sabia falar inglês, então, eu ia me comunicando por mímica. Era o que eu fazia, eu tirei uma grana… Bom, só de chegar essa mala já era uma performance. Todo mundo fazia “Oh! Oh!”… só de ver a mala.

Aqui tem uma foto do espetáculo de balé aquático que a gente fez. O espetáculo que a gente fez com tudo de circo. Foi em 1987, que o Rodrigo Matheus que fazia também e eram 50 artistas. Montamos o ‘Sonhos de uma noite de verão’, do Shakespeare.

Não tinha exigência específica para entrar na escola. Os professores eram uns pais pra gente. Eles adoravam. Não sei, todo mundo gostava muito de mim ali. O que precisava era assim: ninguém fazia aula sem suspensor. Aquele suporte tinha que ter. E isso você quase não vê em outras academias. Assim, ninguém fazia aula sem ele. A Amercy era uma que tirava você do meio da aula se você tivesse sem suspensor. Que é uma coisa que não é por nada. A gente tem ovários. Pula pra lá, pula pra cá, isso não é legal, e pros homens também, podem se machucar. Mas não tinha nada não, a gente tinha que ir fazendo ali. Tinham aqueles colchonetes, na época era ali no Pacaembu. Participei da mudança do Pacaembu para a lona. A gente saiu dali e a gente ganhou uma lona pra fazer o festival de verão de 80 do Cunha Bueno. Quando ele entrou na Secretaria de Cultura e deu essa lona pra gente, só que quando a gente saiu, a gente tava no Pacaembu… Então ali, quando ficava no Pacaembu, todo mundo ali é meio filhinho de papai e só fazia aula no Pacaembu. Quando mudou a coisa já ficou meio longe, as pessoas já não iam tanto, só quem ficou dedicado mesmo à coisa… E aí foi perdendo o pique um pouco de ir lá por falta de apoio mesmo. O Cunha Bueno deu a lona, mas depois não pagava o salário dos professores, não adiantou muito a coisa. Lá no Pacaembu quem pagava os salários dos professores na época era a Secretaria de Cultura. Mas era outro secretário, era o Max na época. Aí entrou o outro, professor começou a não receber… E tinha aquela sacanagem mesmo. Quem inventou essa história toda foi o Francisco Colman, que ficou com a Casa do Ator. Tudo isso eles roubaram dos artistas… E teve uma época que a gente ensaiou lá na Casa do Ator. Quando a gente não tinha espaço pra ensaiar, ficamos na Casa do Ator. Antes do Pacaembu. E… Não! Depois do Pacaembu. Antes daqui da Paulistur, que na época era Paulistur. Que era no Sambódromo. Ali, exatamente. Ali que a escola começou a dançar mesmo.

Mas, o circo encanta qualquer um. Quem vive aquilo… é como você viu… quando você põe pó de serra nos seus pés, ferrou! Você já entra e fica no sangue a coisa, então, era fascinante você se apresentar com o circo. Porque com o circo que eu… Eu morava no bairro da Mooca então tinha um campinho em frente a minha casa que lá sempre ia circo. Naquela vendiam fotos dos circenses. Então eu vivi com aquele circo, com aquele pessoal. Todo mundo falava que aquele pessoal roubava criança, não deixavam a gente ficar muito ali… E era aquela coisa que tinha teatro de circo, então eu era fascinada por aquilo. Nesses circos que paravam na frente da minha casa tinha circo teatro. Toda noite tinha ou uma comédia ou um drama. Eu brincava de trapezista em casa, na lista do tapete eu ficava ali com meu guarda-chuvinha brincando de que eu era a mulher equilibrista. Quando eu tive essa oportunidade de ir, aí eu já tinha decidido o que eu queria ser atriz ou artista, sei lá, eu tinha necessidade de me apresentar, que é uma coisa que eu gosto de plateia. O pessoal fala “por que você não faz televisão?” Não, porque eu não gosto, tem gente que tem necessidade de fazer sucesso, de aparecer na Globo. Às vezes as pessoas acham que eu to ‘batendo em tim’, mas minha filha é igualzinha à mim. Ela já recebeu convite pra ser apresentadora de programa infantil, que não tinha nem teste pra ela e ela recusou, ela não quis fazer. E ela outro dia ela foi fazer outro trabalho e disse: “Eu não faço”. Eu sempre tive necessidade de me apresentar.

E quando você chega ali no circo, eles já vão te enfiando paetê, já vão te colocando pra se apresentar. Lá na Piolin tinha aquele número de alunos e a gente se apresentava em várias coisas. Eu me apresentei como trapezista, mas aí meu número acabou sendo contorcionismo. Tinha um número de dandis, eu fazia também mágica. Eu participava de vários números. Era muito gostoso. Fiquei me apresentando bastante com eles. E dali saíram os grupos Tapete Mágico, Abracadabra, todos esses grupos que o Breno praticamente fundou. Diziam: Vamo pra rua hoje, saindo da Academia! E a gente ia do circo, jogando malabares na rua. E hoje a gente vê direto, mas naquela época ninguém via não.

Ali todo mundo treinava tudo, por isso que eu digo “eu sei fazer de tudo, mas não sei fazer nada”. Não sei fazer nada vírgula, que num outro dia o Gil me deixou fazendo a coisa sozinha lá, que ele teve que sair, aí quando ele voltou ele viu que eu tinha montado várias posições no trapézio, tinha montado um dandis inteiro, tinha montado um número de malabares. Eu participei de todos os números, um pouquinho de cada coisa eu sei fazer.  O meu forte mesmo sempre foi contorcionismo e mágica. Depois um número, assim, como eu tinha muita facilidade em fazer acrobacias e essas coisas, então eu tinha um número de acrobacia cômica, que era o Dandis, que foi montado pelo Santiago. Não foi pelo Vítor… ou foi pelo… ah, esqueci o nome do meu amor querido… Esqueci o nome dele, mas enfim, é um dos Santiago, é que a gente chamava mais ele de Santiago e o outro era o Vitor, são dois irmãos que tem vários números que os filhos seguem.

As aulas eram assim: quando a gente chegava, todo mundo fazia aquele aquecimento que era todo dia igual. Aí saía, ia todo mundo pro colchão fazer cambalhota. Daí todo mundo passava pros aparelhos, quem tinha jeito ia pro contorcionismo, onde eu ficava horas. Primeiro era assim, chegava fazia aquele aquecimento básico, de educação física, dali ia pros colchonetes aprender todas aquelas cambalhotas… Ponta de cabeça… Não sei como vocês chamam isso… Cambotinha, que põe a cabeça e ‘tuque’. Tinham professores que pegavam você e eles não te largavam. E eu fiquei muito tempo com a Zoraide Savala, que era a cigana e fazia contorção. A Zoraide foi uma que me pegou e eu tinha contorcionismo, muito tempo de dedicação, mas assim mesmo eu não conseguia ficar muito tempo porque eu queria fazer um pouco de tudo, então eu fugia pra aula de todo mundo. Mas o meu forte mesmo na Academia Piolin, que me pegavam, que me sacrificavam ali era a contorção mesmo, com a Zoraide. A relação com os professores fora da aula, e durante a aula era assim, ah, sei lá, a gente se amava. Todo mundo ali. Era uma coisa, a gente vivia dentro da escola, todo mundo era superamigo. Eu me dava bem com todo mundo, eu era querida por todo mundo e amava todos. Eu vivia dentro da escola. Eu chegava às oito horas da manhã e ia embora às cinco horas da tarde, na hora que fechava. Tinha aulade manhã e à tarde. Então eu chegava às oito horas da manhã, a gente saía pra comer na feira, ali no Pacaembu, comer fruta, pastel e voltava pro treino de novo. Até hoje a gente é super amigo, pode estar longe, mas eu falo com o Roger… “A Nina”, ele… Outro dia mesmo ele falou: “vamos passar na casa da Nina que eu quero ver ela”, a Amercy quando eu to trabalhando e ela sabe que eu to por ali ela, já chega gritando “cadê a minha cria, cadê a minha querida?”. Que a Amercy também é daquelas que pegavam a gente pra fazer acrobacia. Mas existia aquela rixinha de professor pra professor, de ciúme da Amercy com a Zoraide, aquela coisa. Mas assim, é que a Zoraide me pegava muito mais que todo mundo, mas eu dava uma palhinha com todo mundo, eu não resistia. Todo mundo metia o pau pra eu não fazer mágica, mas a gente ali era muito amigo, tinha espaço pra todo mundo fazer tudo. E todo mundo era novo, todo mundo tinha namorado ali dentro, era aquela festa. A gente tava em festa, em férias todo dia, então… Eu namorei com o Zeca, que é um desses que mora na Itália hoje em dia, mas ele não tá nem mais fazendo circo. Hoje em dia ele é designer da Fiat. Eu treinei todo esse tempo de Academia Piolin, que eu acho que foram uns 4 anos. Fiquei até o finalzinho. Depois a gente foi pra Picadeiro, que era a única que tinha. A Piolin acabouporque a lona já tava ficando velha, já não pagavam os salários dos professores, começou a ser inviável. Acabaram com a escola. E eu também acho que tinha a ver com o Colman, que era uma pessoa que… Na época eu não entendia muito porque eu não me interava muito desses assuntos, eu queria mais é estar na peça, me apresentar. Eu lembro que na época falavam bastante dele. Eu acho que foi ele mesmo por falta de competência que acabou com o projeto. Também não estava tendo mais o apoio da Secretaria, eu lembro que na época os salários estavam atrasados, eles não recebiam. Os professores foram saindo porque não tinham dinheiro pra trabalhar, já estavam velhos. Então, por exemplo, tinha gente que morava fora de São Paulo. O Savala, por exemplo, ele vinha do Guarujá para dar aula. E os dois que eram os mais novos da família Santiago, eles tinham os filhos deles pequenos, então eles montaram o número deles e foram viver pra ganhar dinheiro do circo. Que é onde eles sempre moraram. E eles têm um número muito bom, internacional mesmo, de colocar pra qualquer pessoa do mundo ver. Eles foram ganhar dinheiro com a família deles. Os últimos que abandonaram mesmo foram o Roger e a Amercy. O Gibe foi pro SBT, a Ester sempre ganhou o dinheirinho dela fazendo mágica, o Abelardinho morreu do coração, foi todo mundo… Teve essa coisa que eles pararam porque não estavam recebendo, também. Foi por falta de pagamento.

Mas essa experiência faz parte da minha vida. Se eu quiser sair hoje em dia pra qualquer lugar do mundo eu pego a minha mala e sei me virar. Eu tenho o meu pequeno cirquinho ali, que eu faço o meu espetáculo. Essa coisa da fantasia toda do circo que eu tinha na minha cabeça, que eu vivi uma realidade, eu viajei morando com o circo. Eu trabalhei no Vostok, trabalhei no Spacial. Trabalhei no circo do Papai que foi do Seu Jardim, que também já morreu, que começou com a gente… Eu viajei… Até aí você vê o que é lindo naquela coisa: “Oh, o pessoal do circo, as luzes, o espetáculo”. Agora, quando você sai… Até então a gente fazia o espetáculo e voltava pra casa da gente, mas na hora que você sai mesmo e vê no mundinho deles ali dentro… O circo é minha vida, mas eu não faço parte daquele pessoal do circo mesmo. Essas famílias tradicionais que moram… porque ali é um mundo completamente diferente do nosso. É uma outra realidade, é um mundo… É uma cidade de interior, é um estado, é tudo aquilo ali, o que eles vivem ali… É difícil estar no meio deles.Também é bem gostoso. Quando me vi almoçando com elefantes do meu lado, dormindo… Até sair daqui, o primeiro circo que a gente pega pra fazer espetáculo, tinha banheiro, colocavam chuveiro, tudo. Mas quando a gente ia pra cidade do interior, você não tinha banheiro, tinha aquele buraco no chão, eram fossas… Você se pergunta “Será que é isso mesmo que eu quero na vida?” Por exemplo, a Audrey foi uma pessoa que adotou isso na vida dela. Ela fez curso de bicho, né? Ela foi morar junto com o leão… Outro dia que eu fui visitar ela. Ela tava no Tihany. A casa dela era um caminhão. Eu não sei se eu suportaria tudo isso. Não por muito tempo. Eu vivi uma época! O primeiro circo que eu trabalhei foi o Vostok. Quando eu fui trabalhar a gente tinha hotel. Até então você está viajando num hotel está lindo. E depois? Quando você cai num roteirinho. Aí deram um trailer pra gente, que fedia muito. Não dá pra morar num lugar desses. Pra você entrar nesses circos grandes é difícil porque eles já tem os seus números. Então você vai entrando como partner disso, partner daquilo. E muitas vezes que os caras do circo que te contratam pra trabalhar, eles não querem você como partner, eles tão contratando pra você ser mulher deles. Teve até um dia que eu fui ver o Joãozinho dos Braços de Ouro, um paradista. Ele tava precisando de uma partner, fui até falar com meu irmão lá… Ele falou: “Eu pago isso, mas você tem que ser minha mulher”, na frente do meu irmão!!! E eu falei “Mas, como?”. “Ah, eu vou te dar dinheiro pra vestido, pra sapato, vai comer aqui, você tem que dormir comigo!!!” Eu não quis casar com nenhum circense, não. Até casaria na época com o Zeca, que a gente estava envolvido ali com o circo. Talvez se eu me apaixonasse eu ia embora com um circo e cuidaria dele. Casaria… é, mas não aconteceu.

Teve um episódio muito legal quando eu trabalhava no circo. Acho que o Gil até estava. Essas coisas que você começa a viver que é uma loucura. Um dia o Parreira, ele abria a porta pro urso sair, abria a cortina. Só que ele abriu exatamente na hora que o urso caiu, então o urso segurou ele e a plateia viu que ele não largava o Parreira. Então começou aquela gritaria, aquela coisa, levamos o Parreira pro hospital, tudo… Isso quando é história ainda é fascinante, mas ao vivo…ao vivo não! E o nosso camarim ficava bem atrás da onde o urso saía. Não sei por que nós não estávamos lá pra também entrar em cena. São coisas assim que eu tive como experiência e que foi muito legal e eu levo como experiência pra um monte de gente. Agora mesmo a gente fez um espetáculo lá no Rio de Janeiro com adolescentes. A gente tem muita coisa ainda pra passar.

Mas hoje em dia a gente tem a indústria do circo, na nossa época não era indústria do circo… Agora é aquela coisa de aparelhos, aquelas coisas, Circ du Soleil. Isso não existia… Eram aqueles artistas que não tinham o que comer, que malhavam no circo… Era bem diferente dos circos de hoje em dia. Claro que o circo de hoje em dia não é só o Circ du Soleil! Mas eles mudaram as coisas. Modernizaram. Eu acho que a gente deve muito a eles… Porque eu acho que o circo tem essa coisa de… Não vou dizer porque eu não gosto de falar, mas assim… Pô, um circo como o Garcia fechou, um circo que eu trabalhei lá também, não cheguei a viajar com eles… Eu praticamente estreei com eles, eu ia ser bailarina deles. Eu vivi ali dentro, aquela mulher tinha o maior carinho, aqueles artistas, aquele camarim onde ficavam as fantasias. Ela não deixava ninguém entrar com uma meia desfiada, ela ficava ali na plateia pra ver se tinha alguém com uma meia desfiada, uma coisa. E quando foi ver a mulher perdeu o circo. Por quê? Porque não tem inovação da coisa, entendeu? Nós temos artistas maravilhosos, mas ficou… O pessoal de hoje em dia não vai no circo, é difícil você levar as pessoas pro circo. É difícil levar as pessoas pro teatro… E o circo é uma coisa cara hoje em dia, até esses circos grandes que você vai. Também um cirquinho desses de periferia aí piorou, não que não tenham artistas bons, mas é tudo muito pobre, não tem… Hoje tem aqueles circos tradicionais como Stancovich, Spacial. Que estão aí sobrevivendo dignamente, mas que não apresentam nada de novo em termos de espetáculo. E as coisas se modernizam, então eu acho que essas pessoas novas, como as pessoas da Central do Circo, eles estão preocupados em fazer uma coisa mais moderna, de inovar. Eu acredito que o objetivo da escola era também por causa disso, pra não deixar o circo morrer. Eu acredito que sim. Mas os tradicionais de circo hoje ficam loucos de ver esse pessoal no meio da rua jogando malabares. Quantos estão vendendo a nossa arte, na realidade?

Mas na escola era uma coisa séria. Eles montavam os artistas pra se apresentar da maneira deles. Que era meio militarzão. Tinha que ser daquele jeito deles, de figurino, você não podia sair da linha, não tinha essa da gente inventar uma coisa. Era aquilo que a Amercy estava falando e a gente não tinha que falar nada. Era muito claro, para formar artistas mesmo.

Quando o Breno chegou, ah… Eles não acreditavam muito no que a gente fazia, eles achavam a gente bando de doido, que na verdade o que nós éramos! Um bando de doidos. Mas, eles não respeitavam muito o que a gente tava fazendo. Mas adoravam o Breno, achavam que o Breno não era um idiota… O Breno estava chegando da Europa, chegando da Inglaterra… Mas você vai ouvir a Cássia, a Regina, até a Verônica que vão falar: “Meu, nós pastamos na mão da Amercy, a Amercy era uma pessoa que não olhava pra minha cara”. Eu não, eu tive a sorte de cair nas graças de Amercy, então sempre fui bem tratada. E podem falar: “Por que você era loirinha de olho azul, né? Então todo mundo te tratava bem”. Olha, a Verônica reclama da Amercy. Mas hoje em dia a Verônica até arruma trabalho pra Amercy, então é uma coisa que elas se respeitam muito. É assim, o pessoal da Piolin. Eles têm como se fosse uma pessoa da família, é um carinho muito grande entre os professores e os alunos.

Lembrei agora de uma na Picadeiro… com o leão…  Foi assim: davam comida, e o cara quando foi dar comida deu um vacilo. Ele abriu e o leão escapou. E foi em horário de aula, assim no final de aula, horário de almoço. A sorte é que o Maranhão tava ali e o Maranhão, como já trabalhou muito em circo e que sempre teve parente que trabalhava em circo. O Maranhão já meio que forrou, entendeu? Já meio que foi colocando umas cadeiras, porque é assim: quando o leão sai ele está meio bestificado, ele não tem confiança, ele tá meio ainda assim. Mas se você deixar ele tomar confiança, ninguém pega mais ele! Tinha uma aluna, que eu lembro que pegou a cadeira e saiu correndo! A sorte foi que o leão voltou pra dentro com essa coisa do Maranhão de fazer uma barreira de cadeiras. Ele voltou pro mesmo lugar. Mas imagina só! Era pro leão sair por aí sozinho… Mas a Picadeiro era bem diferente da Piolin.

O que eu aprendi foi na Piolin, o resto não foi em nenhum lugar, aprendi assim, eu desenvolvi mais, mas o que eu aprendi foi na Piolin. Eu não sei fazer nada de circo muito bem, agora se você me mandar subir no trapézio… Bom, mais ou menos, porque outro dia fui tentar subir no trapézio e não consegui, eu consegui ensinar. Eu até falei pro Gil: “Gil, eu fui tentar sozinha, mas onde é que eu consegui subir no trapézio?” e ele “Ah, pelo menos você não conseguiu e eu que consegui e depois caí de cabeça?” Mas eu aprendi a ser profissional, eu tenho certeza que qualquer professor da Academia Piolin não vai falar assim: “A Nina é uma mala”, “não vamos chamar a Nina pra fazer…”, não, eles vão chamar porque eu sei fazer a coisa direitinho, o pouco que eu sei eu faço direitinho e tenho respeito por tudo o que eles me ensinaram, que eu levo o nome deles até hoje, que eu apoio a escola que eu tive, e é uma coisa que é certinho, você tem que ser profissional, correto, ali era isso.

Eu acho muito legal que tenha um monte de escola. Quanto mais gente fazendo e quanto mais a gente puder reviver o circo, eu acho muito legal. Agora, eu particularmente não conheço o trabalho das pessoas, eu conheço o trabalho de algumas pessoas da Central do Circo, que eu acho muito legal. Isso que eu falo, é um pessoal que modernizou a coisa, que não ficou… Porque o Zé Wilson, que foi um professor também da Piolin. Que eu acho que no começo ele era sim, no comecinho de tudo… Se ele não era, ele vivia ali, ele era como se fosse, o Zé Wilson… Eu acho que ele era sim, porque a gente foi na Secretaria de Cultura na época, e a gente tava um pouco perdido com os professores, e a gente foi lá e indicou pra ser o diretor da escola o Zé Wilson, que na época ele era muito amigo de todo mundo, não tinha virado aquela potência que virou o Zé Wilson depois… Eu não gosto do tempo que eu fiz aulas lá [na Picadeiro]. Eu ficava muito tempo de bobeira, ele gostava de pegar pessoas novas. A minha filha mesmo ficou ali feito tonta, eu não via uma seriedade. Ele tava mais preocupado com outras coisas, não com as aulas. Agora, se eu vou lá, o Zé Wilson me trata muito bem. “Nina, querida”, me pega, tira sarro, “Ah, como você ta gorda”… Fala “olha, é a Nina, do teatro, da escola”… Mas eu não acho que a escola dele foi muito séria. Era muito diferente da Piolin. E tem a Picolino. Eu fiz parte dela aqui, antes dela ir pra lá, depois ela foi pra lá. Eu fiz parte do Tapete Mágico. A escola Picolino foi pra lá como escola Tapete Mágico, depois que mudou pra escola Picolino…É uma escola séria na Bahia, séria e conceituada, acho que é a única que deve ter lá na Bahia, pelo menos quando eu fui. Esse pessoal assim, Verônica, o Anselmo, São pessoas das antigas que são sérias no trabalho delas. Cada um dentro do seu. A Val e a filha dela estão no meio, ela esteve um tempo no Doutores da Alegria, acho que era palhaça, ela é atriz também. A seriedade das pessoas acho muito legal, do pessoal que veio da Piolin. Teve a gente, tem a Cássia que tem um trabalho sério, do Grupo Eureka que tem uma seriedade na coisa. Eu acho muito legal ter várias escolas de circo e acho, principalmente o trabalho que conheci da Central, que eu vi, eu acho muito legal, eu acho que é um trabalho sério e inovador, eles levam uma coisa pro novo. E tem a Nacional lá do Rio. A Nacional está há muitos anos lá, porque logo depois da Piolin inaugurou a Nacional lá no Rio, é um trabalho sério.

A Academia Piolin foi importante porque foi a primeira escola que teve e dessa escola saíram todos esses grupos circenses, saíram todas dessas escolas. Não sei se teria outra escola se não saísse a primeira.

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