você está lendo...
Entrevistas

Breno Moroni, depoimento gravado em julho de 2012

depoimento de Breno Moroni, gravado em audiovisual em Campo Grande e postado em 8 de agosto de 2012

Olá, eu sou Breno Moroni. Eu sou um dos alunos da Academia Piolin de Artes Circenses, São Paulo, Brasil. A minha história na Academia começou mais ou menos assim: eu vinha da Europa, da longínqua Europa… Cheguei em São Paulo e não me lembro quem me informou sobre a Piolin. Fui no Pacaembu e lá eu encontrei uma turma de alunos de circo. Uma escola de circo montada em cima do concreto. Acrobacias no cimento. Acrobacia concreta. Lá tínhamos arame, tínhamos trapézio, plintos, tatames. E eu comecei a me envolver com essa escola. Algumas vezes eu vinha de Petrópolis, viajava a noite inteira pra chegar às seis da manhã em São Paulo, no Tietê, e ir pra escola de circo, Academia Piolin. Ela foi muito importante para mim porque eu vinha dessa viagem da Europa de cinco anos, trabalhando em teatro-circo, e quando eu cheguei em São Paulo, percebi que isso seria uma grande novidade dentro do momento que se estava vivendo culturalmente. Era o final da luta contra a ditadura. Era um momento muito forte de necessidade de renovação das artes que foram sufocadas pela ditadura. Então a gente: eu, Verônica Tamaoki, Malu Morenah, Abel Bravo, Fernando Cattony, Luiz Ramalho, a partir da Academia Piolin de Artes Circenses, essa turma foi pro Teatro Oficina e começamos a fazer um projeto da Malu e da Verônica chamado “Pegou fogo no circo”. Depois eu entrei com um projeto chamado “Onde estás?” que era sobre a Guerrilha do Araguaia. ‘Bíblia, Circo e Guerrilha’ era o slogan da peça. Assim foi semeado o teatro-circo no Brasil. Eu penso que foi nesses dias, nesse momento, nesse movimento. A partir daí surgiram outros grupos, surgiu o Tapete Mágico que acabou virando a escola Picolino, em Salvador. Surgiu o Abracadabra São Paulo, que fez surgir o Abracadabra Rio de Janeiro, que foram os professores da Intrépida Troupe, que foi a semeadura no Rio de Janeiro através do Circo Voador. Então, a Academia Piolin de Artes Circenses está ligada à todos os movimentos de teatro-circo do Brasil.

Eu penso que a Academia Piolin de Artes Circenses é o berço do teatro-circo no Brasil porque ali se formaram várias pessoas, que formaram outras pessoas, que formaram outras pessoas. Ali surgiu o Abracadabra, que semeou teatro-circo no Brasil inteiro e existe até hoje. Do Abracadabra saiu o Fernando Cattony, que tem a Cia. Garis em Fortaleza; saiu o Luiz Ramalho, que fundou os Fratelli; a Intrépida Troupe, os Irmãos Brothers, as Marias da Graça. Foram os alunos da Academia Piolin que levaram essa mensagem para o teatro brasileiro, da coisa menos festiva e mais trabalhadora, do exercício diário, 8 horas de treinamento. Isso foi levado ao teatro que antes era mais intelectual, virou corporal aí. Nesse momento também veio o movimento da integração dança e circo, surgiram alguns pingos de literatura, artes plásticas, até mesmo vestuário. Os figurinos se modificaram nessa época.

Atualmente eu trabalho com teatro-circo. Eu tenho a peça “Os corcundas” que é uma pantomima medieval. É 60% teatro e alguma coisa de circo, pantomima. Também dirijo “A tenda das adivinhações”, um espetáculo de mágica com Rick Thibau  e adivinhação, mentalismo. Também ensaio “Flor e espinho” e tem outro que chama-se “GODGLE”, uma história de circo, clowns e Deus. Enfim, é isso que eu venho fazendo atualmente. Acabei de vir de Fortaleza onde eu participei de um projeto de técnicas circenses de junto ao teatro Boca Rica, Fortaleza. E eu estive agora em Fortaleza, trabalhando com dois projetos de escola social, uns cinco ou seis grupos de teatro-circo.  Acabei de participar do Pantalhaço, festival de palhaços do Pantanal. Aqui, Campo Grande, em cima do aqüífero Guarani. E estou vindo de Bonito, aonde tem o Festival de Inverno de Bonito. É isso que eu tenho feito além das coisas básicas de limpar a casa e…

 

Na Academia Piolin eu treinava a profissão esquecida de Tony Soirré. Que é uma espécie de palhaço, mas não o palhaço que fala e sim o palhaço que faz. Faz truques cômicos, acrobacia cômica, cama elástica cômica, malabarismo cômico, até mesmo contorcionismo. Quando eu cheguei na escola eu já tinha visitado oito escolas de circo pelo mundo. Escócia, Egito, Inglaterra, França, Galícia, o Rio de Janeiro foi depois da Piolin… E eu já sabia algumas coisas. Quando cheguei na Academia Piolin é que eu pude me especializar mesmo. E me especializei como Tony Soirré, truques cômicos, o que pra mim era uma felicidade! Porque eu entrava em quase todos os números. Até mesmo nos números de chicote, eu era partner, com a Audrey e a Márcia. Participava da cama elástica, deixava cair as calças e tal. E isso me dá um orgulho muito grande, porque eu sinto que é uma profissão que está sendo esquecida. O movimento clown esqueceu um pouco os personagens antigos do circo. Nós temos no momento uma coisa muito homogênea. Todo mundo faz malabarismo circense. Tecidos… se resumiu a acrobacia aérea. Algum pouco trapézio. Os grandes personagens do circo que eu aprendi na Academia Piolin que são o atirador de facas, o mágico, a mulher gorda, a mulher barbada, o excêntrico, o exótico, o faquir, os segredos, os verdadeiros truques, os mistérios do circo… Isso tudo vem da Academia Piolin. Foi um grande ensinamento, grandes mestres. Juscelino Savalla, professor de acrobacia. A aula dele era um teatro. Nós ríamos muito. Era uma acrobacia muito rígida. Eu me lembro que na época eu estava aprendendo salto mortal duplo e quem me ensinava era o Savalla e os Santiagos. O Roberto Santiago. A Zoraide, que era professora de contorcionismo, e eu consegui quebrar o tabu que homem não podia fazer contorcionismo.  Eu consegui fazer parte da troupe como contorcionista cômico. A mesma coisa era corda indiana, também era proibida pros meninos, também acabamos rompendo isso e fizemos.

Os alunos da Academia eram muitos. Mas a gente tinha pessoas interessantes. Tinha o João Bomba. João Bomba era um músico, passou lá um tempo. O João Bomba era essencialmente um artista, circense no sentido da alegria, da luz, da iluminação, da vivacidade que o artista circense tem que ter! Nem lembro as técnicas que ele fazia. Tivemos o Abel Bravo, que herdou como eu a coisa do artista nômade. O Abel Bravo anda pelo mundo. Tinha a Malu, contorcionista, trapezista. Verônica Tamaoki, malabarista. Tínhamos a Marly, trapezista. A Audrey e a Márcia que faziam chicote. Elas treinavam chicote e faziam um número comigo. Eu era o partner, que é uma profissão também esquecida. Ninguém quer ser partner, todo mundo quer ser o artista principal – como na novela. E o partner é muito difícil, porque você tem que ficar segurando aqueles tubinhos de jornal para que elas acertem os tubinhos. Às vezes não acertavam, acertavam minha mãozinha. E você tem que sorrir, ‘the show must go on’. Tinha a professora de mágica, a Ester. Eu nunca participei de magia porque eu fazia acrobacia e o músculo treme quando você vai pegar uma cartinha, uma bolinha, você treme porque tá muito tenso. Então, você tem que optar por uma coisa ou outra. Mas eu observava muito e hoje em dia eu dirijo espetáculos de mágicos. Não faço magia, mas como eu conheço de aprender a ver, eu posso hoje colaborar com os mágicos ensinando como se vê de fora.

Eu treinei dois períodos na Piolin. Lá no meio eu resolvi ir pra África do Sul. Peguei um avião e fui. Para aprender trapézio de vôos. Cheguei lá a escola estava de férias e eu descobri ali o apartheid. Na época o Mandela ainda estava preso. Vocês imaginem como era a África do Sul naquela época. Fiquei ali um tempo treinando lá na escola mesmo de férias e acabei voltando. Foi aí que se fundou o Abracadabra e fomos fazer o “Onde estás?” que eu considero a semente do teatro-circo no Brasil. Teatro-circo esse moderno. Porque o teatro-circo sempre existiu. O teatro dentro do circo sempre existiu. Séculos.

A motivação que me levou a aprender circo foi o mercado. Porque uma vez que você tenha registro de malabarista, contorcionista, acróbata, ator, cenógrafo, você consegue sobreviver no mercado, não precisa conseguir um emprego no banco, você fica desempregado como ator, diretor, autor, mas consegue um bico como malabarista numa publicidade, por exemplo, que acaba te sustentando um mês e te permite escrever aquelas peças que você quer escrever na madrugada. A motivação é também a busca do ator perfeito. Que é o ator que sabe cantar, dançar, representar. E mais, como antes dos anos 20, anos 40, todo ator sabia tocar um instrumento, sabia ler música, sabia acrobacia e algum malabarismo, manipulação. Os atores com o passar do tempo foram se simplificando até virarem ator de novela – onde tudo é feito em volta de um sofá e que não requer muita técnica. A não ser uma excelente memória, boa expressividade facial e conhecimento de tempos. Mas malabarismo é completamente desnecessário numa novela. Acrobacia sai fora do quadro, portanto, o ator foi sendo simplificado. E eu, como me formei muito cedo como ator em teatro, resolvi continuar essa busca. Fui estudar mímica, fui estudar circo, fui estudar dublê e tudo isso foi se incorporando numa coisa só.

A Piolin me acrescentou uma coisa muito importante que foi o título de profissionalização nas artes circenses. Até então eu já vinha visitando escolas de circo, participando de grupos, mas eu ainda era um ator de teatro. Sou neto de um ator de teatro e faço teatro desde os seis anos de idade, sou formado em teatro, mas comecei a estudar o circo. E a Piolin me profissionalizou. Mas eu já era profissional, já trabalhava. Fazia cinema, teatro e televisão como artista circense. O profissionalizou aí significa a alma do circo. Significa a ética, o entendimento histórico, a responsabilidade social de ser um artista de circo. A responsabilidade histórica. O que significa se autodeterminar ‘artista de circo’. Quão importante e quão sério é dizer ‘eu sou palhaço’. Não é pra qualquer um. É um papo muito sério. Tanto que ainda hoje, 2012, eu vos digo: eu sou um artista circense adotado, querido pelos mestres, pela família Savala, pela família Tápia, pela família Santiago, pela família Picolino. São famílias que estiveram na minha vida e me deram esse titulo de nobreza: circense. É um título muito sério, muito pesado e que se deve levar com muita humildade. Porque nós, artistas de circo, ainda que sejamos semideuses, podemos voar, dar cambalhotas no ar, dominar o fogo, dominar os animais selvagens, deitar em camas de prego, engolir espadas, casar-se com a mulher gorda e barbada, ainda que sejamos semideuses nós não criamos nenhuma medicina capaz de salvar vidas, mesmo arriscando nossas vidas como os cientistas cobaias, nós artistas de circo levamos alegria sim, mas não paramos guerras. Poucos de nós derrubaram governos ou levaram reis à guilhotina. A profissão palhaço, bufão, o bobo da corte, é uma profissão milenar, e muito, muito séria.

Entre alguns fatos interessantes, lembro que uma vez levaram um leão de um circo que passava por São Paulo pra ficar hospedado na Academia Piolin. Foi o único animal que apareceu na Academia Piolin. Ele ficava numa jaula muito pequena, uma jaula suja, de ferro. Um leão velho, magro. E eu ficava ali conversando com o leão às vezes tal. O leão falava coisas, eu dizia coisas. Ficava vagando, conversas, papo furado.  Um dia eu comecei a sentir uma coceira e descobri que era sarna. Sarna de leão. E comecei a perguntar e observar os outros alunos, todos estavam com coceira. Foram 20 alunos com sarna de leão na Academia Piolin. E o contágio foi feito através dos tatames de acrobacia. A gente rolava cambalhota e saía do outro lado com sarna de leão. Outro fato engraçado foi o documentário que foi feito na Academia, chamado “Colman, sonho e realidade”. Um curta metragem. Passados uns dias da filmagem, o produtor do filme foi me procurar e disse: ‘Breno, você é um cara que tem experiência em cinema e acrobacia. Nós estamos precisando de um dublê no filme “Asa Branca” e eu disse: ‘Mas, qual é a cena?’ ‘Um atropelamento, você tem que dar um rolamento por cima de um carro.’ Eu imaginei que fosse fácil e disse logo ‘sim, sim, sim. Claro, vamos.’ Cheguei na cena, um fusca, com antena. Era uma ladeira e o fusca vinha correndo e eu vinha correndo em direção ao fusca. ‘Atenção. Take 1. Vai! Atenção, vai! Ação!’ Prurulumcapuntupuftum! Saí do outro lado, vivo. O diretor disse: ‘Excelente, vamos fazer agora uma tomada de dentro do carro.’ Falei: ‘De novo?’ ‘É. Tem que fazer, tem que fazer.’ Fui, fiz. Oito vezes! Oito vezes atropelado numa noite por um fusca! Graças à Academia Piolin de Artes Circenses, que formou não só artistas circenses, mas formou dublês, atores, bailarinos, escritores, pesquisadores. O berço do teatro-circo no Brasil. Do novo teatro-circo.

Outra pergunta: ‘Porque acha que todos os outros alunos entrevistados lembravam de você?’ Ah, muito simples. Porque eu vivia lá, eu não saía de lá. Tinham que lembrar. Eu era mais visível que a porta. Nós chegávamos de manhã muito cedo, às vezes tinha umas atividades de montagem de equipamento, e às vezes limpávamos cadeira, ajudávamos a limpar até mesmo os banheiros, o chão, desdobrar os tatames, os tapetes, varrer, e isso era um trabalho muito solidário. Todos faziam. E isso nos tornou muito amigos e solidários, tanto que depois fomos morar juntos, alguns, na vila Madalena, em São Paulo. Morava lá a Verônica, a Audrey, eu, Malu, o Luiz Ramalho andava lá, enfim… Todos andavam lá. Tinha o mágico, tinha a Ruiva, tinha o Léo malabarista, era uma comunidade muito grande. E todos faziam tudo dentro de casa. Foi uma das comunidades que deu certo porque tinha esse espírito circense de família, de ajuda. Todos os sábados dois saíam da casa e iam pra feira levando um carrinho vazio, chegavam lá faziam malabarismos, contorcionismos, voltavam pra casa com o carrinho cheio. A gente rodava o chapéu com legumes, frutas, verduras.

A rotina na Academia Piolin de Artes Circenses era assim: chegávamos cedo, arrumávamos tudo, todas as coisas, depois começava o aquecimento. Era um aquecimento muito rígido, quase militar: flexões, saltos. Depois nós nos dividíamos, cada aluno ia ter com um professor. Os alunos de acrobacia, contorcionismo, malabarismo, cada um ia pra um canto. E as aulas eram muito divertidas. Depois a gente trocava de professor. As coisas aconteciam todas simultaneamente, assim a gente não só fazia a nossa técnica como também ficava visualizando os outros e isso permitia também mais um aprendizado. Mesmo que eu não tenha participado das aulas de reprise, por exemplo, feitas pelo Picolino, o Roger… Era uma aula que eu não participava, mas eu assistia, então eu conheço todas as reprises clássicas circenses apesar de nunca ter feito nenhuma. Agora, o que aconteceu? A Academia foi tomando conta da gente. Nós deveríamos estudar um só período, ou de manhã ou de tarde. Mas, vieram os aficionados, como eu, e começamos a ficar lá na hora do almoço. A gente tomava guaraná em pó porque não tinha almoço e treinava coisas nossas no horário de almoço. E depois começava de novo o período da tarde e fazíamos tudo de novo. E a gente saía às cinco horas, seis horas da escola e ficava treinando nos parques. Depois chegava em casa e continuava treinando.

E era uma vida muito dura. Eu trabalhava na noite, no Pub Vitória, ali na Rua Augusta, Alameda Lorena. Quinta, sexta e sábado e às vezes domingo, e às vezes durante a semana tinha uma festa. Eu saía de madrugada. Além disso, a gente fazia teatro infantil no Teatro Oficina e depois começou a fazer teatro adulto de noite. A peça “Onde estás?”. E todos eram muito sarados, muito fortinhos e a gente andava junto. Era uma turma. Eu acabei casando com a Malu Morenah, que era a trapezista da Academia. Formados o Abracadabra juntos, formamos a Escolinha de Palhaços juntos, fizemos vários espetáculos juntos, todos de teatro-circo. Malu continua até hoje. Eu também. Tivemos uma filha chamada Joana. E o nosso casamento, que só foi no civil, foi muito engraçado porque eu me casei com a minha roupa de Tony Soirré e no nosso casamento tinham anões, mágicos, contorcionistas, todo mundo veio mais ou menos vestido de circo. Foi uma festa muito boa, muito interessante. Bons momentos.

Os nossos treinamentos eram plinto, cama elástica, trapézio, corda indiana, chicote, malabarismo circense, reprises, contorcionismo, arame. Eu gostava muito da cama elástica tanto que anos depois o Abracadabra comprou sua própria cama elástica. Nós tínhamos uma casa no Rio de Janeiro que tinha trapézio montado, tinha arame, tinha cama elástica, camas de prego, uma sala só de adereços e figurinos. A Academia foi o que formou o Abracadabra, que é o grupo pioneiro do teatro-circo no Brasil porque deu aquele sentido de família. A gente alugou uma mansão do lado da casa do Roberto Marinho e do lado da favela e nós éramos ali a novidade, a grande novidade. Era uma casa grande, muitos e muitos quartos. Três andares, oficina, salas de treinamento, salas pra guardar material, muitos armários pra figurinos e coisas do tipo.  E fizemos uma trilogia, “O menor circo do mundo”, depois “Um segundo menor circo do mundo” e “O menor circo do mundo do terceiro mundo”. Eram peças diferentes entre si que tinham como elo o teatro-circo e todas falavam do espírito do circo. “O menor circo do mundo do terceiro mundo” era feito por um elenco de 30 crianças, um cachorrinho, um gatinho, um coelhinho e uma galinha. Todos nasceram na mesma época e moravam juntos dentro do quarto do Luiz Ramalho. Então, eram quatro irmãozinhos e eles participavam do espetáculo de forma não cruel. O coelho entrava na cartola, a galinha se equilibrava numa vassoura, o gatinho se equilibrava numa vara de pau. E o cachorrinho me mordia, ah, não lembro. “Um segundo menor circo do mundo” tratava de um apresentador e um casal, como… Era eu, Malu e Joana, e o Artur Peixoto era o apresentador. E a gente fazia mesmo um espetáculo de circo, com aquela fantasia de que cada número é feito por um artista diferente vindo de um país diferente. Trocava perucas, roupas e fazia. E “O menor circo do mundo”, o primeiro, foi a fundação do Circo Voador. Foi feito junto com o grupo de teatro Manhas e Manias. Nós fizemos essa peça. Foi muito boa, muito legal. Tão bom… A gente não ganhou dinheiro nenhum, mas era tão boa! Nossa…

A Piolin é responsável, direta e indiretamente, por tudo que está acontecendo hoje no Brasil. Por exemplo, a escola Picolino da Bahia, ela é inspirada na Academia Piolin, porque quem a fundou foi a Verônica Tamaoki e o Anselmo. Eu vim aqui pra Campo Grande nos anos 1990, dei um workshop organizado pela Malu. Muito bem, passaram-se dez anos. Hoje em dia eu vejo que sou indiretamente responsável por ter semeado essa história do teatro-circo em Campo Grande, por vários Pontos de Cultura aqui: Circo do Mato, Flor e Espinho, Cia. das Artes, Maracangalha, Curumins. Então me sinto muito orgulhoso. Porque a Academia Piolin de Artes Circenses é a responsável pela semente do teatro-circo no Brasil.

A Academia reuniu pessoas como a Audrey, eu e a Márcia, entre outros, que vinham de teatro. Vinham com status de teatro. Teatro Ipanema, Teatro São Paulo. E nós, antes da Piolin, fazíamos cinema, televisão, publicidade. Assim, nós trouxemos também pra publicidade, pro cinema e pra televisão – o circo. Parece que não, mas se você olhar bem os elos você vai ver que sim. Nós temos aí novelas: “Um ano caiu do céu”, tem uma história que se passa no circo; temos o filme “Pagu” onde eu modestamente, orgulhosamente fiz o Piolin; temos o Júlio Bressani que incorporou um pouco de circo nos seus filmes; nós temos uma aproximação dos Trapalhões com a juventude através dessa visão, de ver o belo do circo. Antes do movimento do teatro-circo no Brasil, os Trapalhões eram os Trapalhões, mas foram muito mais porque viraram também um produto da elite de Ipanema. A influência em publicidade… Várias vezes fomos chamados pra trabalhar em publicidade. Supermercados, até mesmo cigarros. Filmes, como dublê. A acrobacia nos permitiu muito isso. Todos nós, pelo menos os do Abracadabra tivemos uma formação de dublê, em cinema. Foi uma pesquisa que desenvolvemos juntos. É uma idéia que eu trouxe da Inglaterra, que eu desenvolvi um projeto assim lá. Vim pra cá, peguei os acróbatas todos e nos transformamos em dublês profissionais, registrados e sindicalizados. Muito antes de qualquer movimento de dublês no Brasil, quando surgiu o Abracadabra e o movimento dublê que foi feito com base nas técnicas circenses, não existia nem a profissão de dublê no Brasil. E nós conseguimos através ainda da Associação, a ATEC – Associação de Técnicos de Cinema, formular algumas regras de segurança, normas de conduto. Depois a ATEC virou STIC e começaram a surgir os primeiros dublês na tv Globo e os primeiros dublês no cinema. Com a exceção do Guarilha, que o Guarilha é da velha, velha, velha guarda. Um cara bacana, se juntou ao nosso movimento também, grande amigo. Mas o Guarilha já era dublê antes do movimento teatro-circo no Brasil.

A Academia Piolin, através dos seus alunos, conseguiu fazer uma ponte entre o teatro tradicional, o cinema e a televisão e a publicidade. O que ajudou muito na sobrevivência. E por aí vai minha gente! Essa conversa da Academia Piolin de Artes Circenses é infindável! Porque cada um participante dessa história, construiu uma outra história e cada uma dessas outras histórias viraram outras histórias. São 30 anos de história do teatro-circo no Brasil. 30 anos que nós devemos agradecer à Academia Piolin de Artes Circenses, seus grandes mestres, seus alunos fortes, cheios de garra que levaram a idéia, a alma do circo, para todo o Brasil! Portanto, senhoras e senhores, eu termino aqui essa entrevista. (…) E mando um beijo.

Discussão

Nenhum comentário ainda.

pode comentar :