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Entrevistas

Gilberto Caetano, entrevista realizada em 7 de fevereiro de 2004

depoimento de Gilberto Caetano, concedido em entrevista realizada em 7 de fevereiro de 2004

A Piolin foi a primeira escola de circo em São Paulo, acho que no Brasil também. Eu não fiz muito tempo de aulas da Piolin, foi um pouco só. Não fiz muito porque a minha formação era de teatro e eu me envolvia muito mais com espetáculos que eram convencionais do que propriamente com a linguagem circense. Mas, foi uma época muito gostosa. Lá eu tive o primeiro contato com uma escola de circo, com aula de acrobacia, aula de trapézio, de corda indiana – pois na época ainda não existia o tecido, era só corda indiana – aula de mini-tramp, de malabares, de palhaço. As aulas de palhaço eram mais específicas. O professor era o Roger, que é o grande palhaço Picolino. As aulas de acrobacia eram com a Amercy. E tive o primeiro contato, ali na Piolin, com a linguagem circense. Era no Anhembi, que foi a primeira sede e depois foi no Pacaembu. Ou foi ao contrário, eu não lembro direito. Eu tinha 20 anos.

Considero o meu depoimento como uma ilustração. Acho que tem pessoas que viveram o sonho da escola com mais propriedade. Pessoas que compraram a briga da Piolin e que podem contar melhor, com mais detalhes o: ‘como foi, porque foi, etc’. Pessoas que lutaram e que ficaram até o fim. Pela minha formação de teatro, posso dizer de todos os grupos de teatro de 1968 e dos movimentos. Nisso eu estou muito mais a par. Briguei muito, vi formação de grupos, trabalhei com diversos grupos de teatro, depois entrou o circo. No Brasil ainda é uma coisa muito ainda pejorativa, você fala que faz circo no Brasil, as pessoas ainda te olham meio: “Ah, mas você trabalha com o que?”. Eu faço circo, eu trabalho com circo, estudo a linguagem do circo. A gente ainda não tem bibliografia sobre a história do circo no Brasil, livros sobre o Piolin, o Arrelia, Chocolate, grandes palhaços, os grandes circos, então é uma coisa que ainda está engatinhando. A Funarte tem alguns projetos, fez alguns lançamentos de livros, mas acho que ainda carece de muito estudo, muita informação para ser ainda passada para as futuras gerações que estão vindo aí. Na Europa o circo é muito mais valorizado. Na França existem 60 escolas subvencionadas pelo governo, pelo menos na época que eu vivi lá existiam. Você tem vários núcleos especializados ensinando a arte circense, a técnica, a pesquisa. Quando você chega na França e fala que quer fazer escola de circo, você é tratado como rei!

Mas a minha formação é de teatro. Comecei em 1979 fazendo teatro de grupo em Mairiporã, fazendo os “Saltimbancos”, depois me profissionalizei, fiz Escola de Artes Dramáticas, na Usp – Universidade de São Paulo, e trabalhei durante dez anos com teatro convencional. Tive o prazer de trabalhar com grandes diretores, como Antônio Abujamra, José Celso Martinez Corrêa, Luiz Antonio Martinez Corrêa, Cacá Rosset e foi aí que entrou o circo, com Cacá Rosset.  Se vivia um momento no Brasil, e até na Europa, em que se mesclavam muito as técnicas de circo dentro do teatro. Foi como um divisor de águas. Teatro era teatro, dança era dança, música era música, circo era circo. E o Cacá foi um dos primeiros diretores aqui no Brasil que começou a colocar a linguagem do circo dentro dos espetáculos que ele montava com o Grupo Ornitorrinco. Nós montamos o “Ubu, Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes”, de Alfred Jarry. Eu e mais quatro atores fazíamos parte do núcleo de acrobatas desse espetáculo e tivemos que fazer aula de circo. Foi assim que eu conheci a Piolin. O “Ubu” teve duas fases, foi na primeira que eu conheci a Piolin e começamos a treinar. Depois eu fui treinar na Picadeiro, que já estava montada. O “Ubu” foi realizado em 1984, então a escola de circo que eu mais frequentei foi a Picadeiro. O José Wilson também fazia parte do elenco espetáculo e a gente fez uma parceria com a escola: e treinava lá durante o dia e ensaiava teatro à noite. Quando fui fazer aula na Piolin, ainda estávamos só fazendo reuniões para o “Ubu”, com o Cacá Rosset, para futuramente montar o espetáculo. O projeto durou dois anos até conseguir verba.

Mas me lembro de uma outra ligação minha com a Piolin, antes do “Ubu”. Eu fiz a “Turma da Mônica”, eu trabalhei muito tempo com eles, eu era o Cascão. A gente fez uma temporada da Turma da Mônica no Circo Vostok, ali no Anhembi também, que era a principal praça de circos naquela época.  Hoje é lá na zona leste, uma praça tradicional perto do metrô Tatuapé, mas antes era no Anhembi. Todas as vezes que um circo vinha para São Paulo ficava ali no Anhembi, que é aquele mesmo espaço onde é o sambódromo hoje. E a Turma da Mônica foi fazer uma temporada no Circo Vostok. Então, foi montado o Circo Vostok na frente do terreno e a escola Piolin era atrás. Durante o dia a gente ficava lá no circo, com toda aquela coisa de circo, com trapezista, malabarista… Os profissionais do circo ensaiando. E a gente começou a ensaiar os números lá na escola na Piolin. Mas eu não tinha muita noção. Eu não tinha o circo como meta de vida. Pra mim eu era ator, me formei em teatro. Trabalhava com espetáculo engajado, com comédia, com o trivial mesmo. Os espetáculos de teatro ficavam em cartaz por seis meses ou um ano, uma temporada, viajava pelo interior, para outros estados. Com a “Turma da Mônica” a gente fez essa temporada no Circo Vostok e o circo entrou mais como uma brincadeira. Com o Ornitorrinco, do Cacá Rosset, é que a coisa foi ficando mais séria. Aí é que realmente me especializei na técnica de circo. Fazia trapézio no espetáculo, malabares, acrobacia, pirofagia e monociclo. Nós treinávamos durante seis horas por dia. Uma hora de monociclo, uma hora de malabares, uma hora de trapézio, uma hora de acrobacia durante o dia, e à noite passávamos os ensaios do espetáculo com o texto. Como eu falei, esses treinos já eram na Picadeiro. Na Piolin foram só quatro meses que eu fiz, quando eu estava com a Turma da Mônica trabalhando no Circo Vostok. E também era muito gostoso. Esse foi o primeiro contato mesmo.

Depois eu me lembro da montagem da Picadeiro. Lembro do terreno na Cidade Jardim quando ainda não tinha nada lá. Era o Parque do Povo, eu acho que está lá há mais tempo é o Clube do Mé e o Vento Forte, do Ilo Krugli, um argentino que trabalha há muito tempo com teatro de bonecos. Muito bom o Vento Forte, premiadíssimo e faz um trabalho muito bonito. E o Zé Wilson, da escola Picadeiro, ele tinha o Circo Royal. Não tinha nenhuma escola, então eu acho que ele entrou nisso. Eu me lembro da primeira lona que montou lá, dos primeiros professores, eu participei, não do começo, mas eu ajudei a montar, tive aula lá e dei aula lá durante um bom tempo. A gente ensaiava lá pro “Ubu” e depois que o “Ubu” estreou, a gente continuou fazendo aula e aprimorando. O gostoso do circo é isso, quando o circo entra na veia você não para mais. Achei interessante isso pra minha carreira, pra minha vida. Não era estudar e decorar um texto e, quando acabar aquela peça, pegar outro texto. Eu poderia ter feito o circo, acabou aquela peça do teatro, ir pro circo e depois ir pra outra peça… mas o circo veio junto e não tinha mais como, entrou na veia, pronto! Fui aprender a montar circo, a bater estaca, fazer trapézio, a fazer corda indiana, a criar aparelho, a costurar, pegar mesmo as ferragens, isso que é interessante. Aí comi a serragem, voei do trapézio com rede, sem rede, foi muito gostoso. Eu falei “bom, encontrei o meu foco de artista”.

Para ser sincero eu não me lembro do fechamento da Piolin, como houve o fechamento, não sei se por falta de aluno ou por falta de apoio. Porque eu era muito envolvido com o teatro. Entre o tempo em que eu freqüentei a Piolin e o momento em que comecei a freqüentar a Picadeiro eu ainda fiz teatro. Quer dizer, então eu participei, conheci a Escola Piolin, mas não estava tão engajado quanto a Verônica, a Nina, o próprio Roger, o Anselmo, que na época eu acho que estava ali também. Quem mais que estava ali mesmo?… Engajada, talvez a Cássia, a Regina Helena, que eram pessoas que tinham grupos de teatro de rua, mas eu não era de rua, era convencional… Entre os professores, tinham ainda o Abelardinho, o Savalla, que hoje estão na Escola Nacional do Rio. A Amercy, que trabalhou comigo depois num outro espetáculo, “O Percevejo”, de Maiakovski, com aquela música do Caetano Veloso.

A Cássia eu já conhecia antes, de teatro, porque a formação da Cássia também é de teatro. Nos conhecemos no teatro infantil. Numa montagem da “Arca de Noé”, de Vinícius de Moraes e Toquinho. Eu fazia o macaco e ela fazia a galinha ou o galo. Tinha uma bicharada!!! A personagem do macaco era protagonista! Ficava o espetáculo inteiro em busca do seu rabo, ele perdia o rabo e vivia o tempo todo procurando. Mas, a Cássia já trabalhava com circo quando conheci ela. A gente também trabalhou juntos uma época com o grupo “Como o céu era do avião”, que era teatro de rua e já mesclava muita coisa de circo. Tinha o pessoal de Santo André também, o Didi, o William, o Carlos Meceni. Então já tinha essa linguagem. Várias pessoas estavam trazendo essas influências, pois estavam voltando da Europa. Antes essa coisa de mesclar o circo ainda não existia aqui. Nem existia o Circ du Soleil nessa época. Existiam poucos grupos na Europa. Criaram o Circ Plume, o Circ Baroque e tinha o Archaos, que era do meu amigo Pierrot Bidon, o mesmo que fez o “Caminhão Trapézio” aqui. Aí é que começou essa coisa de circo entrar no teatro. Mas voltando à Cássia, a gente montou Grupo Eureka, que era dirigido pelo Osvaldo Barreto e começamos a estudar técnicas de palhaço, clown, mímica, pantomima, etc. para usar dentro dos nossos espetáculos, de linguagem mais infantil.

Isso foi fora da Piolin, porque eu acho que na época a Piolin era tudo muito experimental, uma coisa empírica. Ainda não tinham tantos atores freqüentando a escola de circo. Eram mais profissionais liberais, que ao invés de fazer academia, treinavam circo. Desde daquela época a Piolin já tinha essa linguagem. O pessoal ia para o circo porque além de trabalhar o corpo, se divertia. Não havia uma ideia de formar profissionais pra entrar no mercado de trabalho do circo. Mas tinham também atores de grupos de rua. Por isso que eu falo que não era tanto de teatrão convencional, que os atores em geral não buscavam essa linguagem. Eram mais os grupos de rua que passavam chapéu e trabalhavam como saltimbancos, como mambembes, com uma linguagem mais para a comédia dell’arte lá da Itália, bufões, trabalho com máscaras, esses procuravam o circo.

E na Piolin, lá no Anhembi, era uma coisa muito gostosa porque era na lona, mas no Pacaembu não tinha lona. Eu me lembro muito também da rigidez. Todos os professores vinham de famílias tradicionais do circo. Eles não tinham muito uma metodologia acadêmica, como a da ginástica olímpica. Para fazer uma parada de mão, por exemplo, eram outras técnicas. Por isso que a minha parada de mão é diferente até hoje. Me lembro deles comentando que pra você começar a fazer um flip-flap, para fazer uma carretilha de flip-flap colocavam cadeiras de um lado e cadeiras do outro e tinha que saltar certinho ali no meio. Não cheguei a passar por isso porque eu não era doido! Mas eles diziam que aprenderam assim. O Savalla contava: “Meu pai me ensinou assim, o meu pai aprendeu com meu avô assim, e eu só sei ensinar assim. Pra vocês não saírem da linha dos colchonetes é só colocar uma cadeira aqui e outra cadeira lá”. Assim, você olhava aquele monte de cadeira dos lados e se você tocasse nelas não ia dar certo, podia machucar. Então, era muito uma coisa de “tem que fazer, vai, vai, vai!”, como é o circo mesmo: tinha o perigo. A gente vê as pessoas se arriscando, se jogando. Eu já sou muito adrenalina e gosto do perigo, então eu ia! Me jogava, mas era um desafio. Para fazer o número era “quem sabe saltar?”, e vinha muita coisa da capoeira, vinha gente que aprendia na rua, de tudo. E a coisa do circo era bem assim de ser passada de pai pra filho sem uma metodologia específica como hoje acredito que algumas escolas já estão se preocupando mais em ter. Porém, apesar da Picadeiro ser uma escola muito boa, também não lá uma metodologia diferenciada, uma organização do ensino.

Mas, justamente, o maior valor da Piolin eram os professores. Eram verdadeiros mestres. Eu tive vários mestres no teatro que me ensinaram como representar, colocar a voz, ocupar o espaço cênico, aonde me colocar, que tom de voz falar. E na Piolin, os professores eram pessoas que viveram a vida inteira, segunda, terceira e quarta geração de circo. Estávamos com mestres. O que eles falavam era muito bonito, muito importante. Eles não tinham a metodologia acadêmica, mas eles tinham a vivência, a prática de como fazer um flip-flap, de como dar um salto mortal, de como fazer uma segunda altura, uma terceira altura, báscula. Só que era muito na raça. “Deu calo na mão? Mija! Mija na mão!” “Tá com dor? É o circo entrando!” Foi assim que começou a minha história com o circo. Depois de certo tempo aconteceu o boom e eu fui fazer especializações em técnicas de circo para usar no teatro. A partir daí não deixei mais de trabalhar com o circo e tive uma visão. O meu grande sonho era ser músico, então eu estudei muito, mas vi que para ser músico tinha que estudar muito, muito, muito mais. A música instrumental exige demais. Não era bem o meu perfil, por vários fatores, eu precisava trabalhar e ganhar grana para viver de arte de alguma maneira e eu vi que o teatro estava mais dentro das minhas características do que a música. Então eu comecei a usar a música dentro do teatro. E quando eu descobri o circo, percebi que no circo daria pra eu colocar o teatro e a música de uma maneira muito mais gostosa e prazerosa. A partir daí não deixei mais de trabalhar com circo. Eu sei que agora faz 25 anos ou mais que eu trabalho com teatro. Desde 1979, 80, faz mais ou menos 24, 25 anos. E todos os espetáculos que eu faço agora estão envolvidos com o circo. Porque no circo é muito mais… que nem diz o Chacovachi, o diretor argentino, “Pra palhaço dá e sobra!” Mas o palhaço é uma das técnicas mais difíceis que têm no circo. Primeiro você aprende acrobacia, trapézio, malabares. Primeiro aprende tudo para depois você querer ser palhaço e colocar tudo isso de uma maneira engraçada. E tem que ter dom também, porque senão é muito complicado um palhaço sem graça. Fica esquisito.

Então, eu fui me especializar. Fui pra França quando terminou o “Ubu”. A gente fez três anos de turnê tanto no Brasil quanto no México, Colômbia, América Latina, depois Europa, Itália, França, Alemanha, Espanha, festivais Iberos Americanos, festivais internacionais de teatro. Quando acabou eu fui pra França estudar. Fiz a escola Annie Fratellini de técnicas de palhaço, clown e acrobacia de solo, fiz a escola Jean Palacy de trapézio, fiz um pouco a escola de Jacques Lecoq, que é de mímica, conheci o Pierrot Bidon que tinha um grupo Archaos lá. O Circ Plume, o Circ Baroque, eles já viviam em lona, mas eram como um grupo de teatro que fazia um circo muito bonito, não tradicional, um circo com uma linguagem mais teatral, usando mais artes plásticas, usando mais a música, pegando a origem da música, e a origem do circo que era o circo-teatro, e com músicos ao vivo. Só que de uma maneira moderna. Depois é que veio entrando o Circ du Soleil, que ainda estava começando no Canadá, e estavam despontando também como esses grupos que eu citei, Plume, Baroque… Fiquei uns cinco anos na França trabalhando com circo, fazendo coisas de rua, teatro, comédia dell’arte na Itália, na Espanha. Trabalhei muito na rua na França, na frente de um museu que é do Georges Pompidou, se chama Beaubourg, é como se fosse uma biblioteca enorme com salas de cultura, exposições e pesquisas.  Todos os grupos de rua trabalham lá, cada um com seu horário pra se apresentar. Eu fazia pirofagia e acrobacia com dois italianos que eram de uma galera que se chamava “Atelier de La Souris”, que em português seria a Casa do Rato, era um grupo italiano que trabalhava com Dario Fo, um grande dramaturgo e diretor italiano.

Depois voltei para o Brasil e não me adaptei muito. Fui para o Chile e comecei a trabalhar com um grupo de teatro Circo Imaginário. Eles estavam desenvolvendo um trabalho sobre o maior palhaço chileno, o Toni Kalunga, e eu fui o diretor técnico e palhaço de novo. E, seguiu assim, a partir do momento em que eu comecei a trabalhar com o teatro do Ornitorrinco, depois na Europa, já tinha técnica de circo com teatro, no Chile também, estava levantando espetáculos contando a história dos palhaços. Os chilenos são muito bons como palhaços, são fantásticos. Depois de um ano e meio no Chile voltei para o Brasil, e vinha também com uma bagagem grande de cinco anos na Europa. Montei minha companhia aqui no Brasil, a Companhia de Estripulias Imagináveis. O nome é em homenagem ao grupo chileno de teatro Circo Imaginário e ao André Leobof, o diretor desse grupo. Ele era um cara muito simpático e adorava circo, tinha uma pesquisa profunda sobre a história do circo na América Latina e trabalhava com grupos de formação que tiravam crianças das ruas, os ‘circo escola’ da América Latina. O mesmo tipo de trabalho social que depois veio pro Brasil, com o Marco Antonio, secretário da Cultura, o Zé Wilson, o Tadeu Pati, que começaram a montar ‘circo escola’ por aqui.

Acho que a Piolin nessa época já tinha fechado. Os professores da Piolin, eu me recordo, a maioria foi pro Rio, que é onde que começou também a Escola Nacional do Rio, e foi a primeira escola no Brasil com nível de curso superior, com níveis de formação de três, quatro anos, uma grade mesmo metódica, então, todos os professores foram absolvidos, eu acho, pela Escola Nacional do Rio. O Abelardo, o Savalla, o Gibe, uma família de báscula que esqueci o nome agora. Bom, e quem era da Piolin e não foi para a Escola Nacional do Rio, ficou aqui em São Paulo e começou a trabalhar com assessoria em teatro, como é o caso da Amercy. Eu até fiz um espetáculo com ela, onde ela deu técnicas de circo na preparação. Nesse momento a maioria dos grupos em São Paulo já começou a jogar técnicas de circo no teatro. A Amercy deu aula também na Picadeiro, acho que depois no Tendal da Lapa, e numa outra época com circo escola, da Prefeitura, também. O Picolino, que é o Roger, também ficou em São Paulo. Ele continuou trabalhando como palhaço em espetáculos e também como ator. Ele fez um espetáculo, no ano passado ou retrasado, com a Tônia Carreiro, “O Jardim das Cerejeiras”, de Tchekov, que foi muito bonito. Tem um filme em cartaz em que ele está como ator, “Narradores de Javé”, um filme brasileiro, com o José Dummont. O Roger está como ator neste filme. O Roger no começo de carreira era o galã do circo! Fazia números de cavalos. No circo-teatro ele fazia todas as comédias e dramas. Depois ele assumiu o palhaço que era do pai dele e foi o segundo Picolino, ou o terceiro. Fora o Roger e a Amercy, que ficaram em São Paulo, acho que todos os outros professores foram para o Rio. A Escola Nacional, depois da Piolin, foi a segunda escola mais importante. Depois o Anselmo, que era da Piolin, foi para a Bahia e montou a escola Picolino, em homenagem ao Roger. Depois foi montada uma escola de circo no Piauí também, depois em Recife o Boris Trindade tentou montar outra escola.

Olha, eu trabalhei muito com o Roger. Eu conheci ele na Piolin. Mas o nosso trabalho mesmo, e nossa grande convivência, durante um ano, foi quando nós fomos contratados pela TV Record. O Roger trabalhava no programa “Bambalalão” da TV Cultura. E o Marinam Sales, que fazia o palhaço Tic-Tac, e trabalhava junto com ele no “Bambalalão”, saiu da TV Cultura. O “Bambalalão” era gravado na lona da Piolin no Anhembi. Também trabalhavam o Chiquinho Brandão, a Gigi, a Silvana, o Bahia, um pessoal muito legal. Era um programa muito interessante. Mas ele montou um programa infantil na Record e me contratou, junto com o Roger e mais o Pingüim, um anãozinho fantástico, talentosíssimo! Ele me convidou através do “Ubu”. O Tic-Tac foi assistir e me chamou, por indicação também do Roger. Porque eu já trabalhava com circo, trabalhava com teatro, já tinha o meu lado cômico, já era essa linguagem de palhaço desenvolvido, teve uma época realmente que eu fiz muito palhaço, muito palhaço mesmo. Eu fazia todas as esquetes do programa. O programa tinha quatro blocos: no primeiro bloco eram só brincadeiras com as crianças, no segundo bloco tinha contação de histórias, faziam um terceiro bloco de atividades educativas e o quarto bloco com shows musicais, sempre com convidados. Fazíamos o bloco das histórias desse programa, com as esquetes também. Cenas cômicas, essas reprises todas que a gente fala no circo. Eu fazia a escada. Éramos palhaços, eu, o Roger e o Tic-Tac. E depois entrou uma atriz fazendo a personagem da gatinha azul. Uma coisa interessante que me lembro desse um ano que eu trabalhei com o Roger é que ele tinha um caderninho, era uma bíblia! Isso aí tem que ser resgatado. Ali devia ter anotado mais de quinhentas esquetes. Durante um ano a gente gravou mais de 200 programas e toda a semana a gente gravava quatro ou cinco programas. Cada programa era uma esquete diferente! Ele sempre chegava com o caderninho dele e falava: “Gil, Tic-Tac, hoje nós vamos fazer a Abelha Abelhinha” No outro dia ele falava: “Bom, hoje a gente vai fazer o homem mais forte,” ou “Hoje a gente vai fazer a Mulher do Padeiro” “Hoje a gente vai fazer o Fantasma”, etc. Que são clássicos do circo! E ele tem esse caderninho de brochura pequenininho com tudo anotado, todas as entradas, saídas, fala de um fala de outro! O doce, a abelha abelhinha, o boxe, a escola, são reprises clássicas. Deve estar gravado, está nos arquivos da Record. A Record tem esse material, o programa chamava “Tic-Tac na Tarde Maior”, um programa infantil. Lá tem um material muito bonito, a gente fazendo essas esquetes com o Picolino. Nesse trabalho eu também fiz escola, um ano com o Picolino. Aprendi esse tempo do palhaço que é completamente diferente do tempo do palhaço hoje, dos palhaços modernos. A gente sempre recria uma notícia, recria uma história pra fazer uma esquete. Na época dele, com jeito mais tradicional, de que aprendeu o que foi passado de pai pra filho…  O Roger não admitia uma vírgula, não admitia um caco, uma fala errada. Era tudo marcadinho, tinha que falar: “Abelha, abelhinha, me dá o mel na boquinha”, se você falasse: “Abelha, abelhinha, vai, põe o mel na minha boquinha” ele já vinha com “não! Não, é ‘põe o mel na minha boquinha’!”. E ele era chato, ele dirigia, ele marcava o tempo, o time, marcava como olhar pra trás, a cadeira que ia colocar, quando puxava, como cair. Era muito prazeroso, trabalhar com o Roger foi um luxo. E a gente se divertia. Ele ficava bravo: “o Tic-Tac não decora as esquetes, eu o mando falar tal coisa, ele erra tudo e tem que improvisar!”, era divertido, era muito divertido! Hoje ele fala: “Gil, não é como era antigamente”.

O Pingüim, também foi um grande artista, trabalhou o Roger uma vida inteira e acho que também morou com ele a vida toda. Ele era de circo também, era um talento. Já faleceu. Hoje o Roger faz dupla com o William Aires, que é o palhaço Fusca-Fusca. Picolino e Fusca-Fusca. Já a Cássia trabalhou em vários programas. Ela fez algumas participações com o Roger nesse programa que eu fiz na Record e trabalhou muito com o Roger fazendo “Picolé e Picolino”, ela era uma personagem que é o palhaço que se chama Picolé. E ela vendeu um projeto grande pro Sesc e chamou o Picolino pra trabalhar. Então, foi também em função de um trabalho que a Cássia trabalhou com ele. É difícil pra falar “vamos fazer um trabalho, vamos nos reunir pra fazer um trabalho”, porque não tem mais grupo, antigamente até tinha o Ornitorrinco, tinha o Tablado, tinha o grupo que era o grupo Tapa – que ainda tem -, o Olho vivo, o Arena, que se for pegar lá, o Oficina, do Zé Celso, então, eram grupos que comiam pão, queijo, tubaína e ficavam dez horas, pintavam o cenário e faziam. Na televisão como é hoje, é difícil você encontrar as pessoas. Hoje já não têm isso, as pessoas se encontram mais em função de um trabalho específico, um projeto, algo digamos, entre aspas, comercial. “Vamos trabalhar?” – “Vamos”. Tem um contrato, pronto.

Em São Paulo ainda existe a escola Picadeiro, mas já têm outros grupos, como o Galpão do Circo, a Central de Circo que já é a Nau de Ícaros, o Charles. Já têm uns dez núcleos desenvolvendo técnicas de circo e dando aula de trapézio, tecido, acrobacia e técnicas de circo pra quem estiver interessado. E a maioria dos grupos de teatro hoje parece estar voltando um pouco , não é mais como nas décadas de 1980, 1990, quando mesclavam bastante o circo com o teatro. Acho que hoje está voltando. Quem é de circo é de circo, quem é de teatro é de teatro. Até o pessoal lá da Central montou o Circo Zanni e fala “agora a gente faz circo”. Quando perguntam pra gente “Você é ator?” – “Eu sou ator, mas eu trabalho em circo” “Mas qual que é o circo que você trabalha?”. Fica sempre aquela… “Você é de circo ou de teatro?”. Então, tinha essa coisa “Você é ator ou é circense?” – “Não, eu sou um ator circense” ou “Eu sou uma atriz circense”. Então, vamos montar espetáculos de circo. Claro que o teatro é a base, porque a maioria do pessoal é de teatro. Até porque, não tem mais ninguém que vem de família de circo. Quase acabou. Acho que os filhos, mesmo os do Roger, por exemplo, não fazem circo. Os filhos da Amercy também não trabalham com circo. A família do Savalla também acho que não. A família da báscula, que eu ainda estou tentando lembrar o nome, também não sei se continuou. Se bem que eu acho que eles foram mesmo é contratados por um circão enorme, acho que nem no Brasil estão mais. O nosso amigo Claudinho, que é um grande trapezista, ele vem de circo. Ele agora está Suíça. Primeiro foi pra Portugal fazer um mês, junto com o Nadilson, o porto.  Estavam na Ilha da Madeira. E agora o Claudinho foi pra Suíça. Porque um cara olhou o trabalho dele lá em Portugal, gostou e já contratou. Já foi. De Portugal foi direto pra Suíça. Se bobear nem volta mais pro Brasil!

Antes de fazer aula na Piolin, a imagem que tinha de circo era… acho que o circo, pelo menos para a minha geração… foi o meu primeiro contato com a arte. Antes de eu entrar num teatro ou começar a pensar em fazer teatro, era o circo. Eu sou do interior de Mairiporã, e tinham aqueles cirquinhos que iam às cidades e ficavam duas semanas. Era ver o trapezista, era ver o palhaço, globo da morte, O que mais me chamava atenção no circo era o perigo. Não era ver os números com animais, que eram a grande paixão das crianças, apesar de eu ser criança na época, não gostava dos números com animais. Gostava de ver o aramista, o equilibrista, de ver a força física e o desafio do homem com o homem mesmo, o artista. Até que ponto ele conseguia parar com as duas mãos de ponta cabeça, com uma mão e, de repente, parar sem nenhuma mão ou sair dando três ou quatro flip-flap! Que eu sempre adorei. Então, o circo me dava essa fantasia, essa fantasia de voar com o trapézio, ou até a fantasia do teatro no circo. Depois eu fui descobrir a comicidade dos palhaços, que são grandes atores. A minha imagem do circo sempre foi… apesar de o circo ser um pouco triste, o circo pequeno, de uma vida muito difícil, que não é toda aquela alegria, mas me passava muito fascínio também, de superar desafios. De ir contra todos os desafios, descobrir novas possibilidades. Era muito apaixonante, mas foi entrando naturalmente, meu barato era entre música e teatro, mas depois que eu conheci realmente o circo… faz parte da minha vida.

 

O circo hoje é uma complementação do circo que eu vi quando era criança, e do que vi quando comecei a trabalhar com teatro, com música… o circo foi uma comunhão, foi uma trilogia de arte, das três linguagens. Trilogia de linguagens, vamos falar assim, o termo bem adequado é esse. Porque no circo tudo é possível, no circo você tem que ter disciplina, como na música tem que ter disciplina, você tem que saber marcações, como no teatro você tem que saber marcações. Só que no circo você tem a liberdade de colocar tudo o que é possível e impossível dentro de um picadeiro. Vamos supor, da coisa cômica do palhaço ou do número acrobata que você pode criar o teu número.  E no teatro não, você pode até mexer num texto de Shakespeare, você pode mexer num clássico de Nelson Rodrigues, mas tem uma linha que já está ali de espetáculo, a dramaturgia já está ali e você não pode mexer tanto. Uma música, você pega uma música de Tom Jobim, um Pixinguinha, você pode improvisar em cima, mas a música já está ali. E o circo, não, o circo te dá a liberdade de você criar o seu número, você pode ver 500 trapezistas, mas o seu número de trapézio pode ser completamente diferente de todos! Ou número de acrobacia. Quer dizer, segue também uma linha, mas é diferente! Você não pode pegar uma “Bonitinha, mas ordinária” de Nelson Rodrigues e colocar ela… sei lá. Pode! Liberdade poética, pode tudo. Mas você tem uma linha dramatúrgica ali pra seguir. Na minha cabeça, o que mudou em relação ao circo é que no circo tem muito mais liberdade. Há uma liberdade imensa para criar e fazer o teu número. Atualmente eu continuo trabalhando com uma base de teatro, só que o circo, ele sempre está no meio dos meus espetáculos.

Bom, o circo que eu vi na infância… Como eu ia dizendo, têm duas coisas aí! Têm esses pequenos circos de periferia, que ainda hoje existem, que são circos que mantém a tradição, são familiares e a coisa ainda é de pai pra filho, trabalha só a família. São os pequenos circos que até hoje estão por aí, como é o caso do Biriba. Circos de um mastro ou dois mastros, a lona às vezes poidinha. E na minha época de criança haviam também os circos fantásticos. Esses lotavam. Muita gente ganhou muito dinheiro. O Circo Vostok, Circo Garcia, que fechou, o Circo Di Napole, Circo de Moscou, então tinha uma tradição de virem grandes circos com três, quatro lonas e espetáculos grandiosos. Com trapézio, globo da morte, com aramistas. Esses fantásticos, eram espetáculos de porte e viajavam o Brasil inteiro. O Roger viajou nesses circos, a família Medeiros que também trabalhou muito, a Alicinha, o Marcão. Então, eram circos muito bons, todo mundo era respeitado e o público de São Paulo, o público do Brasil… Onde passavam estes grandes circos, iam! E lotavam, lotavam, faziam uma bela temporada. Isso naquela época, mas o circo de hoje já mudou, já não existe mais o grande espetáculo de circo. O Garcia fechou, o Vostok eu acho que ainda está por aí, o Circo Espacial, que já é outra formação também está aí, o Stankovich, que é romeno e trabalha mais com animais, também está aí. Mas são circos de pequeno porte, não são aqueles grandes circos, como tinha o Tihany, o Garcia, o Vostok, esses grandes circos, onde trabalharam muitos artistas bons que hoje estão nos Estados Unidos e na Europa. E os circos de hoje, a meu ver, não são mais esses grandes circos. O Circo de Cuba, que esteve aqui e a gente viu…

Tem a Central do Circo, um lugar onde eu trabalho e que me identifico. A maioria dos grupos que trabalham lá são formados por atores. A formação é de teatro e eles escolheram o circo como material de pesquisa para desenvolver o seu trabalho. Então, optaram entre fazer televisão, cinema e espetáculos convencionais. Como eu falei que trabalhei dez anos nessa carreira e entrei no circo. Eles também optaram pela linguagem do circo. Tem vários adjetivos: teatro físico ou é o teatro de pesquisa, ou circo experimental. Mas o circo é o primeiro plano. São todos espetáculos montados com técnicas de circo. Como os do La Mínima, do Domingos e do Fernando, que trabalham mesmo com a linguagem do circo. O Circo Mínimo, do Rodrigo Mateus, que é mais teatro físico, mas é todo em cima do circo também e trabalha muito com aéreos. As Linhas Aéreas, que são a Erica e a Ziza também, apesar de mesclar texto de teatro. O último espetáculo delas, o “Pequeno sonho em vermelho”, era uma pesquisa em cima de problemas cotidianos da sociedade moderna, mas com acrobacia e tecidos. São os aéreos. A minha linguagem hoje é essa: coloco sempre o circo nos meus espetáculos.Até educacionais, que eu monto: “A importância do leite”, “A importância da carne”, são espetáculos educativos que também têm o circo como pano de fundo. Na Central o Circo não é pano de fundo, é primeiro plano. O circo está como pesquisa de trabalho, mesmo sendo com grupos de formação de teatro. Porque ninguém é de família tradicional de circo ali, tem historiadora, psicóloga, tem o Sandro, que trabalha com linguagem corporal. Todos vão mamar no circo. Como se fosse uma grande teta, uma grande mãe! Porque o circo continua sendo uma grande mãe de inspiração, onde essas pessoas estão buscando a sua linguagem, mas mamando na essência, que é o circo.

Voltando a falar da Piolin, lembro que as aulas eram bem rígidas! Eu tinha medo de fazer porque não podia errar… O que mais eu lembro?No começo o meu objetivo eracorrer riscos. Adorava ir contra todos os limites. Então, subir no trapézio, aprender a fazer salto… Na Piolin eu treinei acrobacia e trapézio. Mais acrobacia. Foi lá que eu aprendi a fazer flip-flap com o Savalla. Foi lá que eu aprendi a fazer várias pirâmides, números de mano a mano, ícaro, ou icários, depende da maneira que se fala. O que mais? E foi lá que eu comecei a me envolver e me apaixonar realmente pela arte circense. Tinha o Vostok, onde eu trabalhava e via a vida mesmo deles ali nos trailers, via elefante tomar banho, via hipopótamo… tinha lá um filhote de hipopótamo, que era o Iuri, fiquei amigo dele. Eram os animais exóticos do circo. Quando os artistas não estavam fazendo espetáculo, estavam ensaiando. Ver isso também foi aprender sobre a disciplina. Essa coisa de repetição. Os artistas, o aramista, o malabarista, o trapezista, sempre ensaiando, ensaiando, ensaiando e aprimorando os seus números. Os palhaços cômicos, criando novas esquetes e eu trabalhava nesse meio, fui vivenciando tudo.  Comecei a me encantar. Num período do dia eu ia fazer aulas. Foi uma coisa intuitiva, natural, foi indo, aprendi a saltar… As aulas na Piolin eram assim: tinha um aquecimento com todos e era muito puxado, uma ginástica bem olímpica. Puxado para a resistência. Até hoje os meus aquecimentos são um pouco dessa linha, porque eu sou meio sargentão também. E em seguida o treino se dividia em números: tinha trapézio montado, tinha cama elástica, etc. Quem quisesse fazer certa modalidade ia com o seu professor. Eu lembro que era bem organizado. Todos os professores tinham uniforme, trabalhavam com agasalho. Tinha uma secretaria. Tinham carteirinhas da Piolin. Eu acho que a Verônica e a Nina devem ter carteirinha ainda. Eu não lembro da minha. Era bem organizado, tinha uma estrutura. Eles davam um suporte grande lá na Secretaria, acho que os professores tinham uma alimentação, um lanche, tinham um salário, eu acho que tinha uma infraestrutura por trás.

Para entrar para a escola Piolin você conversava na secretaria. Para mim foi mais fácil porque a gente estava trabalhando no Vostok, então a gente acabou conhecendo os professores todos ali. Na época eles foram assistir ao espetáculo e foi engraçado que eu fui o primeiro Cascão a dar uma reversão com a máscara. Aquela cabeçona, porque até aquele momento na Turma da Mônica só se dançava, só faziam as coreografias dançando, e como eu já tinha aprendido na escola, que era ali do lado, a dar uma reversão, eu coloquei aquele cabeção e dei uma reversão. Já comecei a colocar o circo, o primeiro espetáculo como Cascão e eu já coloquei circo! O pessoal não acreditou! O Maurício de Sousa foi assistir e falou: “Olha, tem um ator aí que dá salto com a cabeça”. E era um cabeção enorme! Num determinado momento do espetáculo eu batia a mão no chão, e o medo deles era que eu fizesse a reversão e o cabeção voasse!!! Que eu fosse para um lado e o cabeção para outro! Mas, eu coloquei um monte de pano, travei bem para não sair ‘a rolha’, que era o cabeção, e adoraram! O Maurício de Sousa foi assistir e falaram: “O Cascão dá flip-flap, dá reversão com a cabeça!” Então, como o pessoal da Piolin foi ver o espetáculo da Turma da Mônica foi mais fácil para eu entrar na escola. Acho que perguntaram o básico: se tinha aptidão, se tinha problema de saúde, problema de coração, se já tinha feito alguma coisa de ginástica olímpica, qual era o interesse, quais modalidades… Eu adorava saltar! Então, falei que a minha coisa era saltar, fazer acrobacia. Eu já era bem desenvolvido de corpo, então, acho que fiz uma aula de teste, um treinamento, e falaram: “Tudo bem, você leva jeito”. Eu me jogava muito, então falaram “Só vamos ter que acertar a tua maneira de saltar, mas você tem potencial”. E fui me divertindo mesmo… Freqüentei a Piolin enquanto estava lá por perto e não me lembro de ter pagado nada para fazer aula. Acho que eram gratuitas e me diverti muito… Foi lá que aprendi a saltar… hoje salto só em ocasiões muito especiais!

E, eu não parei de fazer a Piolin, assim… Terminou a temporada do Circo Vostok, onde eu estava fazendo a Turma da Mônica e nós começamos a viajar com o espetáculo pelo Brasil, eu fui junto. Ali eu era ator, mas aproveitei o momento em que eu estava como Vostok no Anhembi e fiz a escola. Quando terminou a temporada ali, o Circo Vostok seguiu para outro estado, acho que fomos para o Norte, acho que fizemos Vitória, no Espírito Santo, fomos fazer Recife, ou talvez Recife não, teve Belo Horizonte. Com esse espetáculo da Turma da Mônica, naquela minha vida de teatro, fiz essa temporada no Circo Vostok. Terminou a temporada, eu segui com o teatro. Só depois eu fui encontrar o circo de novo.

 

Quando me lembro da Piolin, a imagem que me vem muito é da aula. Era muito gostoso de ver os professores dando aula, era uma escola como eu nunca tinha visto uma escola de circo. A primeira. Não era espetáculo de circo, era uma escola. Essa referência foi muito legal. Eu só tinha visto espetáculo. Você ver uma aula de circo é muito gostoso. E a outra imagem que me vem, é a gravação do “Bambalalão”. Um programa da TV Cultura, como eu já falei, que era gravado embaixo daquela lona. O programa era todo circense também, com palhaço e tudo mais.Era um programa muito criativo. A gente via aquilo lotado de criança, a TV Cultura filmando aquele programa…  A lona era muito bonita, era uma lona azul cheia de estrelas brancas, muito bonita! Era muito gostoso e era uma coisa nova, não tinha em São Paulo, acho que nem no Brasil, essa coisa de escola de circo e programa de televisão sendo gravado no circo. Aquilo lotado de criança durante o final de semana, quando era a gravação e, durante a semana, as aulas de circo. E do lado o circo Vostok com profissionais… então, era fantástico! Era um encantamento poder trabalhar no circo com a Turma da Mônica, fazendo espetáculo, treinando pela primeira vez números de circo, coisa que antes não tinha lugar para aprender. Eu lembro que todo mundo tinha curiosidade para fazer mágica. Mágica é uma coisa que nunca ninguém ensinou. Ninguém gosta de ensinar mágica, é uma coisa muito específica. Pirofagia também, o pessoal queria aprender a cuspir fogo. Eles falavam que era cuspidor de fogo, engolidor de fogo, engolidor de espada. Tinha o Iorgue, que era um artista que engolia espada. Engolia uma espada enorme. Todo mundo tinha curiosidade de aprender. Eu me lembro de muitas pessoas indo lá para aprender a fazer mágica, querendo aprender a fazer fogo, mas não tinha também profissionais especializados em tudo, e quem sabia não ensinava alguns segredos, acho que tinha algumas coisas que eram segredo de estado! Ensinava tecido… Tecido não, porque não tinha na época, era corda indiana. Ensinava báscula, acrobacia, cama elástica e trapézio.

Pensando sobre o que está acontecendo hoje no cenário circense, eu acho que a Piolin foi o começo de tudo. Eu acho que na época ninguém tinha a consciência, mas acho que se não existisse a Piolin, talvez não existiria a Escola Nacional de Circo, talvez não existisse a Picadeiro, talvez a maioria dos grupos de teatro hoje que trabalham com técnicas de circo ou experimentam o circo como primeira linguagem… Talvez demorasse um pouco mais de tempo pra as coisas serem como são. Porque essa linguagem veio tanto da Europa, com grupos lá também… É uma coisa muito de mundo, de época, de gerações, como teve 1968, revolução, que o mundo todo ficou em revoluções, na França, no Brasil, a ditadura… Passamos pela ditadura, o Chile passou, a Argentina passou, então, tanto na parte política como na parte cultural, acho que caminham mesmo junto. Então, foi uma época. Acho que a Piolin nasceu de um sonho de realmente transformar a arte do circo, que estava morrendo naquela época, não era raro ver famílias que já sentiam que os filhos dos filhos não estavam mais envolvidos no trabalho com o circo, não iam mais seguir a carreira e a tradição dos pais. Foi essa vontade de realmente falar: “Vamos ter que montar uma escola de circo para ensinar pessoas leigas, pessoas de outras profissões, que não são de famílias de circo a levar essa arte adiante. Para que se transforme, que continue, que não morra a arte do palhaço, a arte do trapezista, da bailarina.” Eu acho que a Piolin nasceu de um sonho para não deixar o circo morrer. E foi muito bonito! Mas o circo não vai morrer nunca. Acho que as escolas de circo são bem vindas e todas as pessoas ainda têm brilho nos olhinhos quando vêem um palhaço ou um circo chegando à cidade. Hoje está havendo um resgate muito grande, com projetos que tanto de circo quanto de teatro com linguagem circense. Projetos de criação, para fazer espetáculo; projetos de intercâmbio, temos pessoas envolvidas em projetos de estudos e técnicas, como o Cefac – Centro de Formação em Artes Circenses, que está sendo montado com apoio do Consulado da França. Aliás, a França é um país que realmente apóia. Eu fiquei na França também durante cinco anos pelo apoio que o país dá ao circo. E aqui no Brasil, temos a Central do Circo, que é um dos pólos de pesquisa mais capacitados para quem quiser vir para o Brasil, que até recebe pessoas de outros países. E, para finalizar, eu gostaria de dizer que meus espetáculos vão continuar tendo a linguagem do circo sempre.

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